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Mil Razões...

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

16
Nov10

Ao acordar (Depois da tentativa – 1)

Publicado por Mil Razões...

 

Abre lentamente os olhos. Há demasiada luz.

- Onde estou? – Pensou; - Morri? – Suspirou.

- Olá, como se sente? – Pergunta calmamente a enfermeira.

- Não morri? – Responde.

- Não, não morreu, mas quase. – Retalia a enfermeira.

Ana sente vontade de vomitar, começa a ficar agitada e sente cólera a invadi-la. Quer gritar, mas nem o grito de raiva consegue expulsar. O ar falta. Os enfermeiros acodem.

 

Trimmmm…

- Ah, estou? – Atende uma voz estremunhada.

- Boa noite. Estou a falar com a senhora Patrícia? – Pergunta uma voz estranha.

- Sim, é ela. Quem deseja saber? – Pergunta.

- Senhora Patrícia, ligamos do hospital. A sua filha Ana está cá internada. Pedimos que venha o mais rapidamente possível.

Num salto senta-se na cama.

- O quê? A minha filha?! Que aconteceu? – Pergunta com o coração sobressaltado.

- A sua filha está estável, mas pedimos que compareça por favor.

A meio da noite duas personagens lançam-se numa corrida louca para o hospital. Não há vermelhos que os impeçam. Os corações batem demasiado rápido para abrandarem num semáforo.

 

- A minha filha está aqui internada. Quero vê-la. – Atira Patrícia.

- Nome? – Remata alguém com impaciência.

- Ana – desespera a mãe.

- Aguarde um momento, por favor.

- Aguardar?! O que se passa com a nossa filha? - Pergunta um olhar assustado.

- Um médico já os vem atender.

Os olhos extravasam lágrimas. Patrícia sente-se ansiosa, angustiada, nervosa. A sua filha, a sua única filha.

- São os pais da Ana? – Pergunta o médico.

- Sim. Responde o pai, com a mãe nos braços.

- A vossa filha está agora estável.

- O que aconteceu, doutor? – Pergunta a mãe.

- A sua filha tentou suicidar-se com comprimidos.

- O quê?! Sui…suicidar-se? A Ana?! Não é possível – diz o pai

- A minha Ana? Porque faria uma coisa dessas? – Continua, aterrado.

Patrícia não reage. O seu mundo desaba. Há um grito que se espalha e a quebra por dentro.

- Como foi capaz? – Diz por fim.

Há confusão, alheamento e uma súbita mágoa naquelas duas personagens.

 

Ana, já não tem lágrimas. Continua desolada pela sua sobrevivência.

A raiva persegue-a.

- Quero morrer!!! Porque não me deixaram morrer?! – Grita angustiada.

- Os seus pais estão aqui Ana. Para a ver – diz a enfermeira.

Ana pára. O seu corpo gela. Os seus pais, aqueles que lhe deram vida estavam ali. E ela só queria morrer. O coração está em espera. Não bate. Sofre e tem medo. Medo do confronto com os seus progenitores. Ela não queria fazê-los sofrer. Só queria partir. De vez.

- Ana, como pudeste? – Pensou a mãe enquanto a olhava nos olhos.

- Filha – diz em vez.

Ana desata a chorar. Esconde os olhos, como quem esconde a culpa.

O pai abraça a filha e promete estar sempre lá, dizendo que ela não está sozinha. Ana sente ainda mais culpa.

A mãe fixa a filha. Sente culpa também. E raiva. Como pôde aquilo acontecer.

- Filha, que fizemos nós? Onde falhamos? – Pergunta desesperada a mãe.

- Patrícia, agora não. – Responde o pai.

- Vai tudo correr bem, filha. – O pai abraça de novo a filha. - Vamos conseguir ultrapassar isto.

O quarto permanece cheio de dor, culpa, remorsos, tristeza, vergonha, medo, raiva. Todos estão partidos à sua maneira. No meio de tanta dor, permanece no entanto o amor. Está ali, mesmo que nem todos o consigam olhar nos olhos.

 

Cecília Pinto

 

14
Ago09

O Duelo (Sentimentos e Emoções – 11)

Publicado por Mil Razões...

 

 

Na enfermaria, o som do televisor impõe-se abafando algum queixume de um ou outro doente mais sofrido. As imagens que se sucedem ajudam os doentes a não pensar, aliviam o sofrimento.
Com ele é diferente, esta diversão não resulta. Em boa verdade nem se dá conta do lugar onde está; estar ali, em casa ou em qualquer outro sítio é-lhe indiferente. Não quer estar em lugar nenhum.
O seu olhar fixa-se na janela da enfermaria. Está muito perto, porém é incapaz de percorrer essa distância que o ligaria ao mundo. As pernas recusam-se a mexer, ao seu corpo inerte falta-lhe vontade, comando. Ir até à janela exige ânimo. Ânimo, é a alegria de que precisa para expulsar a tristeza que o mata. Mas, para ele, ser alegre não é fácil. Se ao menos acreditasse que existe uma felicidade eterna!... Mas de eternidade, a única coisa que conhece é a tristeza que teima em estar. Leu algures que a alegria não está nos outros nem nas coisas, a alegria está em nós, temos que procurá-la no nosso interior. Procurar em nós?! Mas onde e como pode procurar-se uma coisa que não se conhece?
 
- Então João, é hoje que aceitas sair comigo? Se quiseres até peço autorização para passear contigo sem bata, fico mais bonita. Vamos dar uma volta no jardim?
Olhou-a sem entusiasmo. Não rejubila com estas manifestações de carinho e isso ainda o entristece mais. Se ao menos conseguisse sorrir-lhe, ainda que um sorriso triste!... Mas triste mesmo, é ele não ter sorriso.
Se alguma vez conseguir sair daquela prisão será com ela que dará o primeiro passeio pelo jardim; é-lhe devido esse prémio. A enfermeira Ana esforça-se, nota-lhe uma preocupação autêntica e tem esta maneira engraçada de tentar estimulá-lo.
 
- Pode morrer-se de tristeza?
A pergunta sai-lhe sem a sua autorização. Não devia preocupá-la ainda mais...
A ela, não a apanha desprevenida. Lembra-se, quando andava a tirar o curso, de ter estudado casos em que os bebés, por não receberem afecto e carinho, por falta de colo, entram num marasmo que, lentamente, os vai matando. Na sua vida profissional já acompanhou outros casos em que as pessoas por inércia se deixam morrer.
A resposta à dúvida que ele não tem é dura mas verdadeira.
- Então, porque não morro eu?
- Porque eu não quero! Tudo farei para que vivas!
Antes de se afastar ainda lhe sorriu carinhosamente.
 
Fecha os olhos, recolhe-se ainda mais no seu íntimo, mas desta vez não para se isolar do ambiente que o rodeia, mas para saborear o ligeiro adocicado daquele sorriso.
No seu isolamento consegue ver que a alegria afinal tem um lugar dentro dele, está ali mesmo em frente à sua tristeza. Enfrentam-se num duelo em que a última tem levado a melhor sobre a primeira, provavelmente continuará a ser assim, mas neste momento a distância que o separa da alegria ficou ligeiramente encurtada.
 
Cidália Carvalho
(A todas as enfermeiras, em especial à minha amiga Ana Rita)
 

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