O amigo (Perturbações – 3)
Imagine uma situação: Vai a uma festa com uma amiga, vão muito bonitos, bem vestidos. Ao chegar à mansão saem do carro e dão a chave ao porteiro para arrumar o carro. Entra com a sua amiga no jardim, ao fundo avista o palácio, lindíssimo. Entra no salão onde toda a gente come, bebe, dança e se diverte. Não conhece uma única pessoa e a maioria fala russo. De repente a sua amiga vê uma amiga que já não vê há muito tempo e decide ir cumprimentá-la. Actuando com grande à-vontade, não vendo nenhum inconveniente, dizem: "Até já!".
Passada meia hora, deixa de a ver e vai à procura dela. Não a encontra. Pensa em sair dali, mas os seguranças dizem que não pode sair dali sozinho. Pensa em começar a relacionar-se com as pessoas, mas elas olham-no de alto a baixo e dizem que não estão interessadas em "falar consigo".
Peço-lhe que imagine como se sentiriam nesta situação.
O tempo vai passando e tem que sobreviver ali dentro. As pessoas continuam a divertir-se, a comer, a beber, a dançar e por mais que tente não conseguem sair do salão. Umas vezes tenta sair, até à exaustão, e depois relaxa e entra em depressão. Passaram seis anos e continua ali. Aparece um rapaz que pergunta: "– Onde é a casa de banho?".
Sei que acha esta história impossível, mas ela serve para mostrar o modo de funcionamento de alguém com psicose.
Para ele o mundo é um salão fechado, sente-se sempre preso neste mundo e vive a tentar libertar-se, sem saber bem de quê. Acha que toda a gente vive neste mundo a divertir-se, que a vida é uma festa em que todos se divertem, menos ele. Tem a "mania da perseguição" - vê as pessoas olharem-no de cima a baixo – delírio.
As tentativas de fuga até à exaustão e, logo a seguir, o entrar na depressão, referem-se à Perturbação Bipolar, com episódios maníacos e episódios depressivos, que podem levar à desistência – suicídio.
O amigo que aparece ali, o único que fala a mesma língua, é um cuidador, que pode ser um professor, um amigo, um psicólogo.
Sónia Moura Sequeira