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Mil Razões...

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

17
Ago10

A espera (Expectativas – 9)

Publicado por Mil Razões...

 

- Este exame já está. A doutora virá já ter consigo.

Mais um exame para a já longa colecção. E depois mais outro e outro e outro… Quantos mais quererão eles? E para quê tudo isto? Perceberão o quanto cada exame me faz sofrer?

Levou a mão à cabeça, passou os dedos pelos cabelos, lentamente. Sempre gostou do seu cabelo e de o ter um tanto comprido – liso, ondulava ao crescer. Fez a mão deslizar lentamente, para melhor fixar a sensação na memória. Desde que aceitara que o fim estava a aproximar-se, procurava fixar todas as boas sensações, as que estavam ignoradas, as suas conhecidas, as que experimentava pela primeira vez, tentando guardá-las bem vivas para as levar consigo.

Ai estas esperas, estas esperas e desesperas… Os médicos evitam falar comigo – demoram, depois chegam e despacham, com o carinho e o embaraço de quem sabe que nada resulta, de quem não tem respostas, nem soluções. Não sabendo lidar com estas situações, refugiam-se nas tentativas sem fim. Tentar o quê? Falta-lhes coragem, acho eu. Um destes dias vou ter de assumir por eles, colocar fim a estas tentativas e exames, deixar a natureza funcionar, sem ser contrariada, sem ser retardada.

Olhou as suas mãos – estavam magras, secas e picadas.

Para quê continuar a estragar estas mãos?

 

Esticou-se na cadeira, deixou a cabeça cair um pouco para trás. O seu pensamento foi para longe.

Todos fogem da morte, seja ela dos que lhes são indiferentes, seja dos que lhes são queridos, seja da sua própria morte.

E logo o pensamento veio para mais perto. Recordou o rosto da sua mulher e desejou estar junto dela, tocar-lhe, senti-la. Sabia o quanto ela iria sofrer com a sua ausência e essa era já a única coisa que o incomodava emocionalmente. Queria morrer junto dela.

Como vais sofrer minha querida -  e eu nada posso fazer para o evitar. Sei que te reencontrarei e isso tranquiliza-me, mas irás ficar aqui, sozinha, por algum tempo. Sei que irás sofrer em silêncio. Espero que os nossos filhos consigam ser para ti alguma compensação.

Tentou parar o pensamento, colocá-lo no vazio, descansar. Ficou assim durante uns minutos.

Depois, recomeçou a construir pensamentos, lentamente. Sentia-se cansado e, tanto quanto conseguia avaliar-se a si mesmo, preparado. Ou quase preparado. Queria ver algumas pessoas, uma meia dúzia de pessoas, pela última vez, mas sem o revelar para não as assustar, e depois sim, estaria preparado.

 

Queria ficar tranquilo, senhor da sua sorte, com a família, em particular com a mulher que amava. Já não aguentava o inútil esforço de mais exames e testes.

Está decidido: quero seguir o meu caminho sem mais atrasos. Quero ir para casa!

 

Fernando Couto

 

13
Ago10

No amor e na paixão (Expectativas – 8)

Publicado por Mil Razões...

 

Um grande amigo enviou para mim, recentemente, um texto de sua autoria em que explorava o facto de ele ser (nas suas próprias palavras), um idiota. Discorrendo nesse texto sobre a sua idiotia em diferentes contextos e fases da sua vida, curiosamente o autor não fez uma única referência ao amor, para não referir a paixão, pois esta é muito mais volátil. Grande falha esta, a do meu amigo que, curiosamente, é pai de vários infantes de relações diferentes. Não acho contudo que ele tenha sido um idiota, quer por ter tido expectativas de futuro em qualquer uma dessas relações, quer por ter esquecido de ligar a idiotia ao amor.

 

O facto é que a idiotia é uma filha natural do amor e da paixão como provam os inúmeros textos, músicas e filmes. É natural que assim seja. O amor (e então a paixão!) tolda o pensamento ao mais clarividente, transformando o racional em emocional, libertando-nos da realidade e prendendo-nos à realidade. Uma realidade que é real e não é. Não era realidade antes de haver amor e paixão e muito depressa se transforma na realidade que desejamos e queremos, quantas vezes fazendo ouvidos moucos a palavras sábias de quem nos quer o bem e consegue ver a idiotia da mesma.

 

Todos nós criamos expectativas das nossas relações amorosas. Uso o termo criar porque advém do nascimento e alimentação de uma ideia, um ideal. Esse ideal é o factor que vai regular a expectativa criada da relação e condicionar o seu desenvolvimento futuro. Claro que no início as expectativas são sempre as melhores, mas infelizmente também são sempre dinâmicas e o conhecimento desse facto amedronta. Ninguém ama para sofrer, mas sofre-se com o amor. Tendo todos nós consciência desse facto, vamos regulando as nossas expectativas em função do desenvolvimento da relação. Mas será que temos sempre presente uma expectativa? Será que quem tem 20, 25, 30 anos de relação ainda tem expectativas? Claro que sim. Da inicial "espero que isto funcione" até ao "espero morrer antes de ti para não sofrer com a tua falta", existe um leque incomensurável de expectativas.

 

Temos é de compreender que essas expectativas mutáveis respondem a uma realidade / realidade temporal. Têm um prazo de validade implícito que até as poderá tornar, mais cedo ou mais tarde, em idiotas e, consequentemente, transformar-nos em idiotas.

 

Rui Duarte

 

10
Ago10

O dia N (Expectativas – 7)

Publicado por Mil Razões...

 

Desde que se confirma a existência de uma nova vida em desenvolvimento, é inevitável sermos invadidos por um crescente de pensamentos, sentimentos e expectativas.

 

Estar sempre a pensar se estará tudo bem, se correrá tudo normal, fazer o possível e o impossível para tranquilizar a mente e os pensamentos e, simplesmente, aprender a confiar na vida e naquilo que não podemos controlar, transforma-se em parte da vida diária de uma gestante.

Mesmo sem querer, os sonhos da vida partilhada com este novo ser humano afloram num desenrolar de expectativas, de realizações e caminhos que são nossos e que, inocentemente por vezes, gostaríamos de ver realizados no bebé, projectando nele uma nova oportunidade de fazer tudo certo, tudo o que gostaríamos de ter feito, tudo aquilo que gostaríamos de ter sido e não fomos. Mas a realidade é só uma: o bebé que abraçamos irá ser um ser humano único, com os seus sonhos e os seus objectivos de vida, as suas determinações e erros que se transformarão em aprendizagens. E não é por isso mesmo que todos nós vimos a este mundo-escola?

Também os medos aparecem e, com toda a força possível, arrumamo-los longe… longe de nós e do novo ser para o qual começamos a viver e a respirar. “Há que confiar!” – é a frase mais repetida para que a nuvem negra se afaste.

 

Por vezes é melhor não criar qualquer tipo de expectativas… nem boas nem más… Podemos sempre imaginar como gostaríamos que fosse, escolher um caminho de entre todas as alternativas que se nos oferecem, mas não podemos ter 100% certeza de que tudo irá ser como queremos.

O que podemos garantir é que o sentimento que possuímos dentro de nós, seja ele bom ou mau, irá ser transmitido e acolhido pelo novo ser humano quando este chegar a este mundo.

Se ele é esperado com amor, carinho, coragem e alegria, a sua recepção será plena de felicidade, de sentimentos nobres, de paz e realização máxima. Quando assim não é, torna-se difícil imaginar… mas podemos tentar antever um cenário onde, muitas vezes, o coração endurecido rapidamente se rende à necessidade e fragilidade demonstradas pelo bebé, tão indefeso e vulnerável. Histórias de violência parental não são aqui exploradas, uma vez que, felizmente, são excepções e não regras.

 

Ana Lua

 

06
Ago10

Brincar a dois (Expectativas – 6)

Publicado por Mil Razões...

 

O ambiente estava agitado naquela manhã. Durante a noite pareceu-lhe ouvir gente pela casa. A tia, apoiada no tio, saiu cedo. Parecia doente. Ouviu a mãe despedir-se:

- Vai correr bem! Quando nascer vamos ver-vos à maternidade.

- Mã, o que é a maternidade?

Tiago começava a aventurar-se na comunicação oral, um pouco tarde segundo diziam aqueles que pensam tudo saber e tudo resolver. Não faltaram os conselhos para levar o menino à Santa Clara, para que ela lhe desse fala. Mesmo sem a bendita visita, preguiçosamente e com cortes nas sílabas, lá começou a pronunciar as primeiras palavras. Mã, foi a primeira que disse, sendo a versão preguiçosa de Mamã. A mãe corrigia-o mas aos poucos foi-se rendendo à solitária, mas não menos poderosa, sílaba.

Não era palrador. Ou porque não sentisse necessidade, ou porque não visse interesse em falar com os adultos sempre tão ocupados e preocupados. Mas gostava de brincar e queria muito ter com quem brincar, já que em casa era único e gostaria de não o ser.

 

Se é na maternidade que nascem os bebés, se nós iremos lá, então iremos ver um bebé. Mas quem será esse bebé? Interrogou-se e, sem que tivesse tempo para perguntar, já a Mã revelava, com entusiasmo, que iria finalmente conhecer o priminho e que a partir de agora já teria com quem brincar.

A palavra brincar era mágica e logo ali tratou de criar condições para tão agradável tarefa. Silenciosamente começou a seleccionar e a meter no bolso os carrinhos de que mais gostava e que, de certeza, iriam agradar ao priminho. Ainda arranjou espaço para uma mota e um aviãozinho, não fosse o caso de o priminho não gostar de carrinhos. 

A notícia do nascimento tardava. Sentado junto ao telefone aguardava. A impaciência ditava-lhe a pergunta: “Será que já nasceu?” Esperava que a Mã tivesse a resposta que o telefone teimava em não dar.

Quando por fim na maternidade, colocou discretamente os brinquedos perto do priminho e a jeito de este lhes pegar. Intrigou-se com a falta de reacção. Aproximou ainda mais os brinquedos, mas a minúscula criatura nem abriu os olhos para os ver. Será que ele não gosta de brincar? Pegou-lhe na mãozinha e levou-a a tocar nos brinquedos. O gemido quase inaudível fê-lo recuar.

Olhou a Mã, pedindo-lhe explicações. Recebeu dela a promessa de que o priminho iria crescer depressa e que rapidamente poderia brincar com ele.

Sonhara ter alguém com quem brincar. Ficou a sonhar com o cumprimento da promessa da Mã...

 

Cidália Carvalho

 

03
Ago10

Dores e vitórias (Expectativas – 5)

Publicado por Mil Razões...

Como um minúsculo embrião, um sonho vai crescendo, adquirindo contornos mais precisos, mais concretos, até alcançar configurações de algo que reconhecemos como nosso. Começa como um pequeno desejo, uma ilusão ou uma fantasia, um querer que vem lá do fundo, da alma, do coração, da terra dos sonhos. Querer ser mais, ter mais, poder ser o que não se é, por isso nos deixamos levar, pela brisa suave do sonho. Vivemos o impossível que pode tornar-se o possível, o futuro que pode tornar-se no presente. E assim sonhamos…

 

Cedo, a mente enche-se de pequenos grandes sonhos e a frase começa sempre com: “Quando for…. vou ser…”. E assim o futuro é uma enorme expectativa que tem como suporte apenas o sonho, da ingenuidade infantil, da revoltada adolescência, da conformidade de adulto. O sonho acompanha-nos, anda de mão dada com as expectativas, com o que esperamos, desejamos e ansiamos ter, ser, dar e conseguir. A viabilidade de alcançar um futuro, concretizar um desejo ou de realizar uma fantasia, mede-se numa balança de dois pratos. Num deles os sonhos; no outro as reais possibilidades de o alcançar. A hipótese do futuro se tornar no presente, e numa recordação do passado, depende dos pesos nessa balança. Quanto maior for o sonho, maior é a probabilidade de se sentir a desilusão a correr nas veias. Quanto maiores forem as reais possibilidades de concretização, maior a probabilidade do sucesso circular pelas nossas artérias.

Constatamos, com tristeza, que o futuro nem sempre, ou quase nunca, se encaixa nos sonhos que tivemos, e de repente as recordações enchem-se de sonhos desfeitos e de vontades e desejos não vividos. Mas quando um sonho se torna numa recordação vivida a vida passa a ter outra valia, surge um novo alento. 

 

Um sonho perdido é uma dor ganha. Um sonho realizado é uma vitória conseguida. Deixar de sonhar é atrofiar as esperanças e as expectativas de ter, de ser, de dar ou de conseguir. Mas se sou capaz de sonhar poderei ser capaz de conseguir, por isso vivo na expectativa de um destes dias conseguir realizar todos os meus sonhos.

 

Susana Cabral

 

30
Jul10

A recompensa (Expectativas – 4)

Publicado por Mil Razões...

 

O esforço para acompanhar as passadas largas e apressadas da mãe, na rua íngreme e de passeios tortuosos, é grande. Ainda assim é por aquela rua que, todos os dias, quer ir para a escola. Desde que abriu aquela pastelaria que alimenta a expectativa de um dia vir a ter uma daquelas caixinhas que graciosamente enfeitam a montra. Não sabe o que elas guardam mas tem muita curiosidade em saber.

À medida que se aproximam, abranda o passo e com um olhar guloso viaja pela montra. Os bolos, frescos e expostos de forma a chamar a atenção dos que passam, são tentadores. Mas é nas caixinhas coloridas que os seus olhitos se fixam. Arrumadas em grupos, num jogo de formas coloridas, ficam muito atractivas. Quadradas ou rectangulares, forradas com papel celofane rosa com fitinhas verdes, em papel cor de laranja com laçarotes amarelos, ou nos vários tons de castanho e pérola, todas elas ficam muito bonitas.

Não sabe de qual gosta mais e se pudesse escolher uma não conseguiria decidir-se. Outras ainda, do mesmo tamanho mas em forma de coração, sendo diferentes são igualmente bonitas e muito misteriosas. O que esconderiam aquelas caixinhas com laçarotes tão bonitos? Chocolates aveludados com recheio de natas? Caramelos cremosos? Gomas coloridas? O que quer que fosse, só podia ser muito bom, aquelas caixinhas não a enganavam!

Aproxima-se mais e cola a carita ao vidro, tenta apanhar um aroma ou algo que a ajude a descobrir que segredos encerram.

Não sabe explicar como isso acontece mas quanto mais as admira, mais adocicado é o gosto na sua boca, e só desaparece com a pressão de uma mão a lembrar-lhe que estão a caminho da escola.

Um dia vai ter uma caixinha daquelas!

 

O fim de ano escolar chegou e com ele a confirmação dos bons resultados. Merecia ser recompensada. Para surpresa de todos pediu uma caixinha das que estão na montra da pastelaria no cimo da rua, nenhuma em particular, qualquer uma a tornaria muito feliz. Com estranheza, a mãe entregou-lhe a caixinha.

Pegou-lhe com muito cuidado. Primeiro tomou-lhe o peso, pareceu-lhe muito levezinha, que guloseima poderá ter esta leveza? Abanou-a; não sentiu nada lá dentro. Tirou o papel com muito cuidado, não quis amachucá-lo. Finalmente a caixinha ia deixar de ter segredos. Tirou a tampa. Não quis acreditar no que os seus olhos viam - melhor dizendo não viam. Dentro, a caixinha não tinha nada. Vazia! Esqueceu-se dela em cima da mesa.

O tempo manteve-a como objecto decorativo.

 

Cidália Carvalho

 

27
Jul10

Isolado, vertical e altivo (Expectativas – 3)

Publicado por Mil Razões...

 

Pedro nascera numa aldeia plana, de casas térreas e brancas cercadas por searas sem fim. Na planura da aldeia destacava-se um pinheiro solitário. Pedro, ainda menino, confidenciava ao irmão:

- Gostava tanto de subir àquela árvore! Ir até à ponta, mesmo até à pontinha, e abraçá-lo.

- És tolo. Ainda és muito pequeno para tão grande subida – dizia-lhe o irmão sem prestar grande atenção. E acrescentava:

- Pois cá para mim, essa árvore devia morrer. Já se viu um pinheiro no meio da planície alentejana? Se não fosse tão grande e eu tão pequeno, deitava-a abaixo.

 

Os anos foram passando e, à medida que os irmãos iam crescendo, o pinheiro crescia também, numa relação que tornava cada vez mais apetecível e difícil a concretização dos desejos, quer de um, quer do outro. Até que numa tarde de Inverno, uma violenta tempestade atravessou em crescendo a planície, abatendo-se sobre a aldeia. Pedro, abrigado em casa, acompanhava os rugidos do vento, furioso com as casas e os muros que se opunham à sua passagem. A certa altura ouviu-se um estrondo e de seguida o vento parou. Fez-se o silêncio profundo que acompanha o fim das tempestades e, passados minutos, Pedro percebeu que o irmão se aproximava da sua porta. Reconhecia-o pelo som da bengala que o acompanhava há mais de trinta anos.

- Pedro, vais finalmente poder realizar o teu sonho. A tempestade derrubou o pinheiro. Já podes abraçar-lhe a copa.

Pedro fitou o irmão com olhos tristes. Viu-o criança e relembrou as suas palavras de sempre.

- Tu nunca compreendeste o meu sonho porque ele era grande demais. O meu verdadeiro sonho era perceber o que é que um ser isolado e diferente sentia no meio de tanto igual. Nunca o consegui totalmente, mas de certo modo fui compensando o meu desejo por cumprir, ao ver que o pinheiro ia resistindo, vertical e altivo, no centro da nossa aldeia. O teu sonho, que implicava a destruição do meu, realizou-se.         

 

José Quelhas Lima

 

23
Jul10

Plano B (Expectativas – 2)

Publicado por Mil Razões...

 

Passamos a vida a planear, desde que nascemos até morrer. Planeamos, ou somos planeados, pelo menos à nascença, que a concepção do nosso futuro ser pode ser, como não ser planeada.

Planeamos, planeamos, mas raramente o resultado é como planeado. São planos para vida, planos de estudos, planos de carreiras, planos de poupança, planos de férias, planos de casamento. A vida é em si um plano. Sonhamos, enquanto planeamos, mas são sonhos objectivos. Todos os pormenores estão incluídos, todo o processo, até o resultado, é planeado. Depois descemos ao nível do real e há sempre um pormenor que faltou, um imprevisto, e a realidade é um pouco diferente do que planeamos. Mas é mesmo para isso que servem os planos, essa necessidade de dar estrutura à nossa experiência, ao nosso ser, essa sensação de controlo e segurança. De estrutura. Mas, como todas as estruturas, nada é inalterável. Porque tudo se transforma, mesmo que sem comprometer a base, mas acabam por se moldar arestas, alterando a forma, do inicial. Há sempre desvios.

A vida é um plano, mas controlar imprevistos não faz parte do plano. Eles simplesmente acontecem. E aí surge o plano B. Porque normalizar é também uma necessidade de estrutura, ou, por assim dizer, necessidade de combater a desestruturação que nos arrasta para o fundo. E como sobreviver, ou como reconstruir, quando chegamos ao zero e dali temos de partir novamente, numa constante reconstrução de nós?

 

Pois é, cresci a sentir que tudo muda, muito mais rápido do que se pensa. Desde pequena tive a sensação que o tempo passava rápido e com ele passavam todas as fases. Só me restava acompanhar o ritmo, porque o tempo não anda para trás, nem espera por nós. Ouvi, também desde sempre, que antes de mim, na geração anterior, tudo era mais duradoiro, as relações, as carreiras, havia uma pessoa para toda a vida e um emprego para toda a vida. Mas percebi logo, quando passei a entender melhor o mundo, que hoje a constância é a mudança. E daí, surge a capacidade de nos adaptarmos, constantemente. E às vezes, quando nos falta o chão, temos de ser rápidos a saltar para não cair no abismo. Este jogo de cintura, não nos torna mais descartáveis, torna-nos mais capazes de não dar o plano como garantido, persistindo no entanto a fome de um plano seguro, uma estrutura que aguente, independentemente das tempestades.

 

Hoje, não há plano B. Há plano C, D, E, F… Deixei de planear em grande porque me apercebi que há muitas variáveis no jogo que não dependem só de mim. Há acidentes, crises, doenças, como há lotarias, sorte (não na mesma proporção!), mas continua a haver a necessidade de planear, pelo menos a curto prazo. Haverá, sempre capacidade de recomeçar, pelo menos enquanto houver a visão dum plano melhor.

 

Cecília Pinto

 

Porto | Portugal

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