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Mil Razões...

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

26
Nov10

A culpa (Depois da tentativa – 4)

Publicado por Mil Razões...

 

À noite tudo é diferente. O Marco chegara a casa e jantava sozinho nessa noite. A televisão estava desligada. Pairava um silêncio denso entre o pensamento cíclico e o olhar vazio pregado na mesa. Por vezes lá ia mais uma garfada.

Acabara de discutir uma vez mais com a Leonor. Ela deixara-se ficar no parque por onde passearam no final de tarde desse domingo. Entretanto a noite caía. Caía Setembro. Caíam as folhas. Caía o calor. Tudo caía.

Marco já largara o garfo e mal tocara na comida. Entrelaçava agora os dedos das mãos por debaixo do queixo, fincando os cotovelos na mesa. Sempre o mesmo, pensava ele, sempre a mesma coisa!

Escureceu. Era noite fechada e Leonor não aparecia. Quando ela entrar por aquela porta vou dizer-lhe tudo! Desta vez está mesmo tudo acabado! Não aguento mais! É sempre a mesma coisa! Não aguento mais! NÃO! AGUENTO! MAIS!

 

O telemóvel interrompera-lhe a pesada modorra. Rodopiava, contorcia-se na mesa como se estivesse possuído pelo demónio. Tocava, gritava que se desunhava. Sofre, vaca! Sofre! Carregar naquele botão verde seria quase um exorcismo. Não atendeu. Levantou-se. Agarrou numa bebida branca qualquer. Foi vagueando pela sala de copo na mão. Dirigiu-se à varanda e por lá ficou, debruçado no gradeamento, fixado no horizonte. Avistava o reflexo do luar nas águas do Douro. Por vezes reparava distraidamente nas tijoleiras do pátio. Do décimo terceiro andar o chão não oferece boa nitidez. Trespassava-lhe uma vaga sensação de voo. Remirou, revirou mais uma vez a sua vida. Estacava aqui e ali em detalhes doentios. Ciúmes sim, mas haja medida! Balançava agora o copo vazio entre dois dedos. Deixou-o balançar lentamente, escorregando, até ficar suspenso pela borda. Olhou o chão e depois o copo. Saúde, Leonor! Abriu os dedos e viu-o a cair em câmara lenta.

A colisão foi brutal. O estrondo, estrondoso. E ali ficou ele durante uns minutos, imóvel, cravado naqueles despojos confusos, sem pensar em nada.

Começara então a soprar uma leve brisa fresca. Ergueu-se lentamente, agarrou-se ao corrimão da guarda da varanda, inalou profundamente e sentiu-se revigorado. Renascera ali. Vou-me embora! Agarro no essencial e depois venho buscar o resto!

 

O telefone toca de novo. É de novo a Leonor. Desta vez atende. As coisas têm que ser conversadas.

- 'Tou?!

- (Silêncio).

- Leonor! Estás aí?

- (Silêncio).

- Leonor, vá lá, responde! Temos que falar! Demoras? Anda para casa!

Ela solta qualquer coisa que não se percebe, com voz embargada, vacilante.

- Diz?! Não percebi! Anda para casa, Leonor! Vamos conversar!

- (Silêncio).

Ele cala-se também. Tenta perceber onde ela está pelos barulhos de fundo. Mas não consegue.

- Onde estás, Leonor?

- (Silêncio).

- Leonor?! Então? O que estás a fazer?

Com uma voz trémula mas decidida, Leonor diz:

- Sabes, Marco? Não sabia que a vista aqui de cima da ponte era tão bonita! Adeus!

 

Joel Cunha

 

19
Nov10

Eu e a Mariana (Depois da tentativa – 2)

Publicado por Mil Razões...

 

A Mariana não foi ontem à escola, nem no dia anterior. Estranho. Pensei que estivesse doente e liguei para ela. Do outro lado da linha, um silêncio ensurdecedor: ninguém. No messenger, nada, absolutamente nada. E não, não era normal. Mesmo quando estávamos doentes, ficávamos sempre ligadas on-line. Havia sempre tanta coisa para contar: o rapaz giro que nos devolveu um sorriso, a professora de Matemática que exigia sempre mais de nós… Um dia na escola, para quem tem 15 anos, é mesmo uma eternidade, repleto dos acontecimentos mais importantes e decisivos das nossas vidas. Mas, e a Mariana?

 

“A Mariana partiu.” – disseram-me hoje os meus pais. Partiu? Para onde? Foi viajar e não me disse nada? Impossível! Nós partilhamos tudo… Até que, o peso da verdade imutável se abateu sobre mim. Senti-me esmagada e sem ar. A minha melhor amiga matou-se?!... O turbilhão de pensamentos embalados por emoções confusas tomou conta de mim. Como é que ela foi capaz de me abandonar? Eu, que preciso tanto da sua ajuda e do seu ombro sempre amigo. Que raio de amiga sou eu que não me apercebi de nada? Mas porque é que ela não me pediu ajuda? Porque é que não falou comigo? Oh… espera; será que até falou? Será que, quando dizia que estava farta de tudo e de todos, será que não estaria a exagerar, como eu pensei? Será que a tristeza que trazia nos olhos era mais intensa do que eu supus? Que culpa que eu sinto! E dói tanto! Quando a minha melhor amiga precisou mais de mim, eu não estava lá. Ou até podia estar, mas não estava atenta àquilo que era realmente importante. Tantas coisas que julguei, pensei, supus, sem nunca procurar a verdade. Tantas perguntas que ficaram por fazer e que agora me torturam. Mas agora é tarde, a Mariana já partiu…

 

Numa coisa tenho razão: a Mariana estava doente. Sim, sofria de solidão. E pela primeira vez na vida, sinto que ter razão é um vazio amargo e corrosivo. E de que serve… de que serve ter razão? Chega de perguntas… perdoa-me Mariana!

 

Liliana Jesus

 

04
Set09

O remédio para a culpa (Sentimentos e Emoções – 15)

Publicado por Mil Razões...

 

 
“Há um remédio para as culpas: reconhecê-las.” - Franz Grillparzer
“A principal e mais grave punição para quem cometeu uma culpa está em sentir-se culpado.” - Séneca
 
Segundo o dicionário, a culpa é “um sentimento de responsabilidade e remorso por uma ofensa, crime, erro, quer seja real ou imaginária”. Contudo, culpa é muito mais que isso… É um sentimento que faz parte da condição humana, que provoca grande dor, tristeza e sofrimento naquele que se sente culpado, ocorrendo assim, um julgamento interior.
 A culpa surge quando detectamos que erramos, ou reprovamos algumas das nossas acções ou pensamentos.
Muitas vezes o ser humano não consegue lidar com a própria culpa, limitando-se apenas a omiti-la, vivendo uma dor solitária e não compartilhando com ninguém, por vergonha do seu acto que é, por si, reprovável. Temos medo de ser apontados, de ser reprovados!
A culpa é uma reavaliação de um comportamento passado visto como reprovável.
 
É importante saber reconhecer a culpa e saber lidar com ela; contudo, no ser humano surge uma incapacidade de lidar com o erro, uma lamentação interior daquilo que já ocorreu.
Surgem também falsas crenças (verdades em que acreditamos), convicções que nos levam a ter culpa e que, na realidade, podem não ser verdade. É importante a sua desmistificação, ou seja, estar atento à realidade, aperceber a falsa convicção.
Todos já sentimos culpa, esporadicamente, mas existem pessoas que vivem constantemente com a culpa. Carregam uma cruz e não conseguem “ver-se livres dela”. Será que são mesmo culpados? Ou vivem com uma falsa crença?
A culpa é muito subjectiva, é uma avaliação pessoal que fazemos do nosso acto passado. Será que essa avaliação é fidedigna? Que legitimidade temos para nos culparmos?...
 
Liliana Pereira
(Foto: Konchilis’ sni, de Eliara)
 

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