Profissão de fé (Profissão - 14)
Andei a investigar o que é isto de ter uma profissão. Parece que é ter uma ocupação, uma atividade, um ofício do qual se retira um sustento ou um qualquer tipo de compensação. Diz que é habitual, sistemático, implica um compromisso e muitas vezes alguns sacrifícios. Obriga-nos a planear muitas coisas e afasta-nos, com frequência, da família e rouba-nos tempo de lazer.
Eu já vou, assim à vontade, na minha décima profissão; e sei que não é ainda desta vez que me sinto realizada, plena, feliz, nem a ter tempo de qualidade para aqueles com quem quero estar e a fazer aquilo que amo. Esta profissão nem sequer a escolhi, nem aceitei.
Caiu-me em cima, literalmente, como uma cruz, destino, carma ou azar, como um meteorito disparado do céu que não me deixa ainda despedir-me, bater com a porta. Há de chegar o dia e vai ser um dia muito feliz.
Algumas vezes na vida já me cruzei com pessoas que foram despedidas ou reformadas, ou dispensadas, como agora é fino dizer, e meses depois reencontrei-as com um ar espantosamente mais jovem e feliz, como se tivessem fugido da cadeia ou lhes tivessem tirado o jugo de cima. Não lhes tinha saído o Euromilhões nem tinham ficado sem preocupações. Mas pareciam outras, só porque já não estavam naquele sítio que as matava aos poucos e que não tiveram coragem de abandonar por causa das responsabilidades.
A minha profissão atual é rotineira mas imprevisível, finta-me todas as tentativas de planeamento, não me dá férias nem tréguas, faz-me sofrer física e psicologicamente, os horários estão sempre a mudar, tem uma compensação financeira incerta nas datas e nos valores, obriga-me a ser forte e às vezes leva-me ao desespero absoluto e à fraqueza total. Já me fez chorar e rir, pedir, suplicar, berrar, perder a cabeça. Já me fez ganhar empatias e perder simpatias. É uma autêntica montanha-russa de emoções, do tédio absoluto à ansiedade, da dor ao triunfo, por vezes separados, muitas vezes juntos.
Com frequência sinto-me revoltada; mas lá me convenço que, desta vez, é assim porque tem mesmo que ser.
A minha profissão, porque ninguém tem que adivinhar, é ser paciente. Há quase ano e meio que vagueio por hospitais, clínicas, centros de saúde, horas a fio, dias a fio, meses a fio, a interagir com quem quero e não quero, entre bombeiros, pessoal de secretarias, enfermeiros, médicos, fisioterapeutas e afins. E vejo outros como eu, todos zombies nas mãos de outros e nos tempos e caprichos dos outros.
Há pessoas e situações que não hei de esquecer nunca, uns por bons motivos, outros por péssimos.
Mas tudo isto para nada interessa, a não ser para dizer que as profissões são muitas vezes duras e raras vezes o que sonhamos; muitas vezes impostas pelas circunstâncias e raras vezes o que amamos. Mas não há que desistir, nunca. Uma profissão há de ser, um dia, uma ocupação habitual que adoramos e que faz parte integrante da nossa felicidade.
Fica aqui então a minha insolente profissão de fé: Eu Acredito.
Acredito em mim, acredito no futuro, acredito em não baixar os braços e em ir até ao fim do arco-íris.
Vamos todos atrás dos nossos sonhos, por favor? Mesmo, mesmo, até ao último sopro, o último instante? Porque nunca é tarde para tentar, para insistir.
E viver, nem que seja um só dia.
Fui dramática demais? Peço desculpa. Ou talvez não.
Laura Palmer