O eclipse de uma trajetória ascendente (Eu – 14)
Foto: Sem nome – Виталий Смолыгин
Todo o agente ativo com personalidade jurídica tem a faculdade de agir em seu nome próprio e assim promover a transformação do mundo a sua volta, com duplo impacto, movido por interesses endógenos na esfera pessoal do agente e interesses coletivos circundantes da sua esfera exógena, campo ocupado pelas outras pessoas.
Assim, pretendendo configurar o Eu para dar eficácia ao supracitado, aventa-se um protótipo de agente que ab initio possui um conjunto de necessidades e objetivos próprios, então se for de natureza humana acresce-se ao primeiro os objetivos coletivos. Adjacente à personificação está a sua identidade, que se espera que seja única e própria para distingui-lo dos outros no plano operacional, bem como na diversidade existencial do universo em que esteja inserido.
Perceber a natureza e complexidade do Eu não é um exercício desnecessário de alienação de recursos escassos, destarte requerer segregá-lo para perceber a sua composição, que de uma forma geral possui duas componentes complementares, o hardware que é a caixa ou o corpo que dá forma e estrutura ao sujeito, e o software que é a parte lógica, o conteúdo que forma o processo racional. Se, relativamente à primeira componente, não oferece um grau de dificuldade para formar uma ideia sobre a sua mecânica, a segunda coloca um desafio acrescido sobre a compreensão da sua lógica funcional e motivacional. Compreendidas as partes, uma análise holística permitirá reconciliar as duas componentes e assim validar os pressupostos do particular completando o puzzle.
Certamente que este exercício não é trivial, pois a soma das partes nem sempre é igual a dois, tornando ainda mais interessante esta disputa. Sob o ponto de vista do objeto, sendo um agente mutável não vai pretender facilitar, nem ser caçado e se o destino assim desejar, evitará ser considerada uma presa fácil. A dinâmica dos processos induzida pela rotina enriquece a informação genética das gerações vindouras e também aprimora as boas práticas propaladas pelos antecessores.
De facto a mutação do modus operandi é uma necessidade decorrente da sustentabilidade das espécies que, num horizonte de longo prazo, adaptam paradigmas próprios para saber lidar com os desafios recorrentes e também enfrentar os novos. Mais uma vez a componente lógica entra em ativação contínua para desenvolver os conteúdos necessários que alimentam um processo decisório cada vez mais complexo.
Para reivindicar qualquer mudança sobre o mundo externo é preponderante que a primeira mudança seja operada por nós e recaia sobre nós próprios. Entretanto, para incorrer ao processo de gestão da mudança, implica compreender o quê, como e por que mudar, sendo a resposta para esta preocupação à necessidade de nos conhecermos a nós próprios, o que rompe por completo com o circuito e remete-nos ao ponto de partida. Conhecer a nós próprios, num sentido ousado do termo, implica sairmos de nós próprios e irmos ao nosso encontro com auxílio de uma mão invisível, aproximação essa somente possível quando o estado de espírito está sossegado e sem compromissos avultados. A agenda central desse encontro gravita em torno de três questões intimamente relacionadas, designadamente, rever o passado para compreender o presente e assim visionar com clareza o futuro.
Quando se consegue atingir esse ponto de equilíbrio adquire-se certo poder de conquista de objetivos de longo prazo, motivado pela vontade altruista de fazer a diferença, manifestado pela capacidade de persuasão e influência sobre outros, bem como o poder de autocontrolo ou mediação do incessante diálogo entre as expetativas traçadas e os resultados observados.
António Sendi