Estirpe (Herança – 4)
Foto: Father - Ambermb
O vazio...
A natureza tem horror ao vazio, mais que horror, não suporta o vazio, qualquer espaço que deixe de ser ocupado, mais ou menos rapidamente volta a sê-lo, mesmo que de outro modo ou por outra entidade.
Quero falar de herança, legado, algo que em primeira impressão me remete para a morte, para os bens que passam de geração em geração, frequentemente de pais para filhos.
Quero falar, não dessa herança – importante que pode ser – mas de outra, da hereditariedade, não, ainda, exatamente da de sangue, física, genes, parecenças, semelhanças físicas, mas da do exemplo, do comportamento, das orientações, das vivências, do que se vai inculcando e nos vai ajudando a enformar o nosso ser, para além do parecer.
O meu pai morreu quando eu tinha 9 anos, a doença do último ano e tal, os tratamentos no estrangeiro, não permitiram mais convívio do que o que tivemos até aos meus sete anos.
Agora quero lamentar-me: não herdei o mais importante do meu pai, seria muito mais rico, tenho a certeza, se tal tivesse sido possível. A vida, a morte, não me permitiu ser seu herdeiro como poderia ter sido; o que me apetece dizer é, como deveria ter sido.
Ficaram-me algumas, demasiado poucas, memórias. Retive as histórias que tanta gente me foi e ainda vai contando. São boas de ouvir, mas não é a mesma coisa!
Claro que a natureza afasta o vazio, absorvi outros exemplos, outros tipos de comportamento, a minha mãe, tios, transmitiram-me valores, preencheram-me.
Não tive, foi a herança mais importante do meu pai.
Jorge Saraiva