Essa ponderável espessura das coisas tristes (Humildade - 7)
Foto: Woman - Claudio Scott
Acordar, na travessia da noite, para a aflição da pele. Para o incómodo fino, por contato opressivo, do lençol de cambraia fina que nos cobre. Ou para o aperto estreito e mordente do elástico das calças do pijama, ali, cortando a linha da cintura, como que nos dividindo em duas metades de corpo. Dolorosamente. Acordar, na lâmina do pesadelo, para o tormento da memória, ao peso do silêncio escuro que nos sitia.
As coisas – reflito, tentando alienar a consciência exacerbada do meu corpo – têm, todas, um peso próprio: mas sempre variável, sempre dinâmico, sempre circunstancial, e, dentro dessa circunstancialidade, sempre subjetivo. Uma gravidade única, em cada momento, para cada pessoa. Uma carga diferente para cada estado de alma e para cada alma. Uma pressão desigual em cada corpo, sob iguais condições, e para diferentes condições, num mesmo corpo.
Tudo depende do tempo, penso, arrastando o meu vertiginoso raciocínio para ventos, humidade, pressão atmosférica, anticiclones e ondas de calor.
Não.
Não, condições atmosféricas não têm nada a ver com isso.
Tudo depende do Tempo. Tempo, aquele feito de instantes, de esperas e de esperanças, de demoras e de esquecimentos. Tempo, aquela força centrífuga que sempre nos salva, enquanto nos devora. Tempo, aquele que se divide, generosamente em “tempos” – de luz, de escuridão, de riso, de choro, de alegria, de angústia, de amor… ou de ódios (digo «ódios», porque quero dizer ódios, aquelas pequenas raivas e ressentimentos não-tão-viscerais-como-Ódio-com-letra-grande-e-no-singular).
Ah, a insuportável espessura do silêncio, sobre o meu corpo mordido pela insónia! A veloz fuga dos meus pensamentos, através do vazio que me encapsula e me transporta além-universo, além-razão, além-noite, além-pele.
Além – Eu. Como numa enormíssima tela, movendo-me penosamente, cercada de adversíssimas condições de vento, humidade, pressão – um outro tempo, num outro Tempo… Eu, carregando uma carga esmagadora sobre as minhas costas estreitas e magoadas. Eu, tentando sorrir, apesar das dores, conseguindo levar o Amor dividido em duas metades, uma em cada mão, e ainda levando nos olhos a visão de um céu só meu. Eu, depreciando o peso das coisas tristes. Eu, apreciando o valor dos instantes felizes. Tanto Tempo, tantos tempos...
Regresso ao silêncio, à escuridão segura do meu quarto. Regresso – húmil, apaziguada, condescendente. O meu coração aquieta os monstros que o habitam, por milagre habitual.
O lençol de algodão toca a minha pele como uma carícia, o seu roçar é fresco, leve, macio, reconfortante. A minha cintura ajusta-se, dócil, ao elástico brando das calças do pijama, e o meu corpo reconstrói-se, como um puzzle de encaixes fáceis e perfeitos.
Ouvir a noite, lá fora, amanhando os mistérios da reparação, dos ciclos, dos tempos. Adormecer, ao sereno marulhar da mente – e à oblação do corpo aos ventos da Humildade. E da Gratidão.
Teresa Teixeira