Dois lados (Dar e receber – 17)
Foto: Breakup - Tumisu
Lado A
- Meu filho, eu gosto muito de ti e dos teus irmãos – eu amo-vos. Mas não amo o vosso pai, nunca o amei. Aliás, nem gosto dele. Melhor dizendo, na actualidade detesto-o. Como sabes, como sabeis todos, há já muitos anos que a nossa vida como casal não existe; apenas vivemos sob o mesmo teto, sem vida comum, dormindo em quartos separados. E alguns conflitos, algumas zangas foram surgindo ao longo deste tempo. Mas nada disso é culpa minha pois que, alguns dias antes de casarmos, eu avisei-o. Não gostava dele e não queria equívocos ou enganos, pelo que o avisei, para que não tivesse surpresas. A partir daí não pode queixar-se. É certo que durantes uns anos fomos funcionando como casal; vós nascestes. Mas fui perdendo a paciência. Agora já não suporto a ideia de continuar casada com o vosso pai. Poderemos continuar a morar sob o mesmo teto, como até aqui, mas a ideia de continuar ligada a ele por um vínculo, é para mim insuportável. Nada recebi dele, e nada lhe dei. Ele sempre vos manipulou contra mim, acabando por fazer de mim a má da fita. Faz tudo para se dar bem convosco. E vós, cada vez mais distantes de mim. Compreendo o vosso choque ao descobrirdes que pedi o divórcio. Tenho pena por vos ter chocado, mas a vida é minha e sou eu que tenho de a gerir. Ele foi avisado; não tenho culpa.
Lado B
- O que eu penso?! Olha meu filho, penso que é mais uma loucura da vossa mãe, mas desta vez com maior requinte. Por isso, não irei conceder o divórcio. Não sairei de casa, não colaborarei, a menos que a polícia venha buscar-me para me levar ao tribunal. Não é nada comigo… Pela minha parte irei continuar a amá-la como sempre amei, continuarei ao pé dela, a ajudá-la, a cuidar dela, a dar-me, a dar tudo a ela. Sim, meu filho eu amo-a, mesmo que ela não fale para mim, mesmo que ela não queira saber de mim, mesmo que ela não vos aceite como adultos que sois e não vos respeite como tal. Por vezes penso que me odeia. Mas, mesmo assim, ela dá-me imenso. Deu-me os teus irmãos e a ti, dá-me a alegria de a ver todos os dias, de sentir a sua presença, de estar junto dela, mesmo sem olhar para mim, mesmo sem a poder tocar, sem a poder abraçar, sem a poder beijar. Não sei como poderia viver sem ela. Sabes, temos de ter muita paciência, ela no fundo não é má pessoa, tem tudo a ver com a origem dela, sei lá! Por favor, tenham paciência com a vossa mãe.
Fernando Couto