Criação (Transparência – 12)
Foto: Girl - C_Scott
Com amor, no respeito e no cumprimento dos votos prometidos em altar, foste concebida. Gerou-te um ventre palpitante, desejoso de se perpetuar. Desenhei-te. Sabe-se lá porquê e onde me inspirei, mas desenhei-te loirinha e de olhos azuis. E, assim nascente. E como eram azuis! E transparentes!
Via-te através e para lá deles. De tanto nos conhecermos os segredos eram de nós desconhecidos. Assim seria para sempre, jurei eu. Por muito tempo acreditei. Não havia dor ou inquietação que a transparência do teu olhar não me revelasse e que eu não resolvesse num beijo ou num abraço mimado.
Cresceste e não perdeste essa clareza e transparência do olhar. A adolescência conservou em ti essa capacidade de seres verdadeira. Deixavas-me sentir-te para lá da pele branca e fina, quase transparente. Privilegiavas-me dando passagem para lugares inacessíveis. Eu desnudava-te de angústias e incertezas com promessas de um futuro promissor junto de um marido que te amaria e dos filhos que viriam desse amor.
Rodeada das minhas certezas fizeste-te uma linda mulher.
Estava feliz com a minha criação, tão feliz que não vi chegar o momento em que foste tomada por essa estranha inquietação e desassossego. Também não me apercebi quando deixei de te ver porque te tornaste impenetrável, fechada em ti, isolada no quarto. Fugias-me. Já não bastava ler na transparência do teu olhar para que vertesses em verdades pequenas mentiras e chorasses tristezas e dores. Os teus olhos nada me devolviam a não ser a certeza de um segredo.
São fases de crescimento, arrufos de namorados, os jovens precisam de espaço – diziam-me. Mas não me tranquilizava.
E, quando por fim, corajosamente quiseste ser transparente e verdadeira como há muito não ousavas ser, proibi-to. Não precisaste falar, firme nas tuas opções a vida ia ser o que tu quisesses e não o que eu tinha programado.
Saíste de casa para viveres o teu amor proibido.
Cidália Carvalho