A vida é (quase sempre) bela (Beleza – 8)
Foto: Girl - Alexandr Ivanov
A seguir ao almoço, Jorge anunciou uma surpresa: um vídeo de família que tinha deixado a gravar em casa.
- Vou lá num instante buscá-lo!! – disse, saindo à pressa, enquanto o resto da família se espreguiçava no sofá após a lauta refeição.
O “num instante” arrastou-se por mais de 40 minutos e Sofia, impaciente, resolveu ligar para o marido a saber o que se passava. “Tirlili-tirlili”, ouviu-se na prateleira do móvel da sala.
- O totó esqueceu-se do telemóvel! – exclamou Sofia num tom que misturava condescendência e irritação.
A D. Emília prontificou-se imediatamente a ir levar o telemóvel ao filho, o que causou um alarido de comentários: “Claro que não!”; “Que ideia!”. Mas é assim, a D. Emília, sempre disposta a dar a volta ao mundo para satisfazer os filhos, mesmo que às vezes ultrapassasse a barreira do aceitável e do normal.
Dez minutos volvidos e Jorge entrou esbaforido pela porta, um sorriso de orelha a orelha, com o DVD na mão. De volta do leitor de DVD do pai, o sorriso foi dando lugar a alguns sopros de impaciência e a frustração instalou-se quando se concluiu que não havia compatibilidade entre o ultrapassado aparelho e o recente LCD adquirido pelos patriarcas. Só que Jorge não se deu por vencido e, apesar de o tentarem demover, saiu novamente rumo a casa e regressou, desta vez rapidamente, com o portátil debaixo do braço e um cabo USB, não fosse o diabo tecê-las.
E foi assim que, finalmente, todos se reuniram pelo sofá e cadeiras em torno da televisão para assistirem ao vídeo que, afinal era uma apresentação de fotografias intitulada “A vida é bela, por Jorge Ribeiro”. À medida que as imagens iam passando, o grupo ia lançando comentários, risinhos, exclamações que traduziam a lembrança de um acontecimento passado. Naquelas fotografias, só momentos felizes de Jorge, Sofia e dos filhos, Miguel e Patrícia: férias, aniversários, passeios. Durante mais de 20 minutos, passaram pelos seus olhos todas aquelas imagens, algumas de anos já muito passados, uma espécie de história de família. E, no entanto, ali não aparecia a depressão do Miguel, da qual estava a recuperar quase a 100%, mas na qual estivera mergulhado no último ano e meio. E tão pouco as imagens deixaram transparecer a traição de Sofia que quase provocou a separação dela e de Jorge, ou a tentativa de suicídio que daí adviera. O “vídeo” apenas focava os bons momentos, como uma espécie de balanço de uma vida quase sempre bela.
No fim, todos bateram palmas. D. Emília chorava (de alegria?), emocionada. Só a pequena Luana não aparentava grande satisfação; a sobrinha de Jorge não conseguia compreender porque aparecia tão pouco naquelas fotografias. Todos se riram e explicaram-lhe que era por ser a benjamim da família; não podia, por isso, ter um grande historial de fotos de família. O que ninguém lhe disse (mas talvez tenham pensado) foi que os acontecimentos passados destruíram o convívio e os laços que haviam existido entre todos e que, apesar da alegria que ali parecia reinar, havia uma barreira erguida entre Jorge, Sofia e os filhos, face à restante família – de ressentimento, mágoa, remorso, egoísmo – que haviam reduzido os encontros ao mínimo indispensável.
Mas hoje estavam ali. E sorriam. Como uma família feliz.
Sandrapep