A mão (Beleza – 1)
Foto: Italy - Jacques Savoye
A última vez em que me deparei com uma beleza cujo impacto me fez parar e ver, foi num museu. O museu, esse espaço onde ninguém lá mora mas em que guardamos a superação de um qualquer viver humano, permite-me passear pelos temas, cores e texturas de modo lúdico, sendo as regras do jogo: “Vê lá se me prendes.”, ou “O que tens tu para me mostrar hoje?”.
À minha espera, encontrava-se a “Pietà”, de Michelangelo – réplica – numa exposição de Madonnas (iconografia da Virgem Maria como Mãe), numa sala mais ou menos escura, como se o visitante mais incauto levasse o seu tempo a chegar lá e pudesse ser também surpreendido pela sua presença, numa atmosfera mais intimista. Imensa gente, ler a legenda, fazer tempo e sentar. Acerquei-me do banco em frente, quase a pedir desculpa aos séculos por só agora ter chegado ao pé dela e aguardar. Pelo quê, não sabia bem e deixei-me ficar.
As primeiras impressões, dizem-nos, levam cerca de 7 segundos a aparecerem, se nos atrai ou se nos afasta. Gostei logo da imensidão da estátua, a sua alvura quase intocável e a sua dimensão que dizia “Eu vim cá para me mostrar!”, sem pudor nem modéstia. E o que me mostrava ela? O que me tocava? No toque, as mãos que percorrem e experimentam são muito importantes. No passe-bem e nas palmadas nas costas. Estas mãos traziam o seu filho, uma mão que o prendia para sempre. A outra mão que se estendia para o céu ou para nós, para um qualquer benemérito que pudesse deixar lá qualquer coisa, essa outra mão pedia-me algo. Nem palavras, nem som, nem nada podia ser dado a essa mão a não ser toda a atenção.
A beleza nesta obra surgiu-me do impacto dos seus contrastes: uma estátua disforme e o desespero de uma figura materna, pequena para tão imensa injustiça; a sua fisicalidade imponente para o silêncio tão íntimo que o grito mudo nos pede, ali a ecoar para sempre. A surpresa do encontro naquela hora tardia trouxe-me o mais belo e o mais terrível. Conversarmos com o nosso belo e com o nosso terrível leva tempo e muitas pautas até se harmonizarem os temperos. Já só queria ficar ali, a conversar com a estátua. Agora, sabia-o bem, iriamos ser amigas e confidentes para sempre.
Podemos encontrar a beleza em pequenas e grandes imagens e, naquele momento, a exposição ou prostração da sua vulnerabilidade foi de uma dádiva infinda. Na obra que para mim se tornou bela, senti algo próximo do que aquela mão afinal me pedia e eu nem pressentia o que tinha para dar: um caminho para a redenção.
Maria João Enes