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14
Out16

A herança perdida (Herança – 6)

Publicado por Mil Razões...

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 Foto: Abstract – Elena Arboleda Salas

 

Ele foi escritor, antropólogo, dramaturgo e encenador, para além de outras atividades de grande relevo social e artístico. Em todas as atividades que desenvolveu no campo da cultura e da arte foi sempre um ativista. Foi um ativista social e político. Muito escreveu sobre os mais diversos temas; muitas peças criou e muitas delas ele próprio pôs em cena. Por isso, o seu vasto património literário e artístico era de uma riqueza impar, não só pelo seu valor intrínseco, mas, sobretudo por aquilo que representava para a sociedade, enquanto património coletivo. Tudo o que criou, desenvolveu, divulgou e expôs com tanta modéstia, como era seu timbre, conservou nos espaços físicos por onde passou e nos “arquivos” das suas memórias. O acervo de todos esses bens não ficou indiferente a familiares e a gente próxima que com ele conviveu. Após a sua morte, o espólio de todos os seus bens passou a ser muito cobiçado, pois dele faziam parte miríades de objetos, fruto da sua criação artística e dos seus trabalhos literários, com inequívoco interesse cultural e artístico. Apenas deixou como única herdeira a sua mulher, pessoa com idade já muito avançada, que não tinha a verdadeira noção de quanto representava e valia a herança do marido, enquanto património imaterial da humanidade, de inegável interesse artístico e cultural, para a sociedade em geral e seus vindouros. A sua herança teria assim uma função de perpetuar a sua memória, de nos transmitir a sua ideia universalista do Mundo e da época em que viveu, de modo a que sua obra figurasse “ad aeternum” na galeria dos notáveis e inesquecíveis. Contudo, após a sua morte, surgiu a “gula” dos seus pseudo amigos e até de alguns familiares, a rodear a viúva de muitas atenções e falsos carinhos com o único objetivo de serem contemplados com um ou outro bem. Até poderia ser legítimo o desejo de pretenderem adquirir algo do falecido, de adquirirem um ou outro objeto que refletisse e simbolizasse memórias passadas com ele, se não existisse, porventura, um exclusivo e puro interesse material. Mas tal interesse logo deixa de ser legítimo, a nosso ver, a partir do momento em que a própria sociedade é afetada, preterida por um mero interesse individual de cariz material, que se sobrepõe à grandeza do desiderato universal que era de tornar a obra imortal. Distribuído o acervo dos bens, “partido” todo o conteúdo da herança, que se destinava a realizar o desejo do seu autor, cujo objetivo não era, seguramente, saciar a “gula” de alguns, perde-se, irreversivelmente, esse património coletivo e imaterial para a humanidade. Pena não se cumprir esse imenso e nobre ideal do seu autor!    

 

José Azevedo

 

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