Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Mil Razões...

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

05
Mar10

A Escolha (Viver em Sociedade – 1)

Publicado por Mil Razões...

 

 

Tudo indica que tenha nascido da necessidade comum de enfrentar as outras espécies mais fortes, uma fórmula de sucesso na estratégia bélica primitiva. Hoje é uma lei ao abrigo do gregarismo, uma condição para a sobrevivência da espécie humana, a razão da nossa existência.
 
A ciência experimental provou que a prolongada privação de estimulação sensorial, leia-se ausência de contacto com o meio e com os outros, é difícil de suportar (dificuldade essa que pode ir do mero desconforto até à terrível alucinação).
A ciência social afirma que o Homem só se define enquanto inserido numa comunidade. Veja-se, por contraste exagerado, o exemplo da criança que foi encontrada errando sozinha, no Verão de 1798, na floresta de Saint-Sernin, no sul de França: o menino selvagem ou o selvagem de Aveyron ou, depois da densa injecção de humanização, o Victor de Aveyron que aos 12 anos não tinha ainda adquirido as competências essenciais da linguagem articulada, nem da locomoção aprumada. Vejam-se os outros 51 casos credíveis documentados na lista de Lucien Malson: a criança lobo de Hesse (1344), o enigma de Kaspar Hauser de Nuremberg (1828), o pequeno Ives Cheneau de Saint-Brévin (1963), etc..
Vejam-se ainda as desventuras que, com mais ou menos fantasia, parecem estar sempre coladas aos náufragos que acostam numa qualquer ilha isolada no meio do oceano, em geral do Pacífico.
Veja-se, por fim, o conceito de suplício associado à chamada “solitária” nas prisões.
 
Viver em sociedade tem por antónimo a solidão. E com que facilidade se enfia a solidão no saco das dores! O solitário sofre, está abandonado, rejeitado pela sociedade, desprotegido, exposto aos mais diversos perigos, tem medo, carrega todas as pesadas cruzes do penoso calvário da solidão.
 
A grande maioria das pessoas faz-se rodear de gente, quer habitando zonas habitadas, quer constituindo família, quer socializando com estranhos ou com gatos. Tudo indica, de facto, que esta é a organização natural do animal humano.
Mas será mesmo assim? Será a vivência social assim tão boa, necessária, útil e natural? Não será antes uma questão aprendida e transmitida de geração em geração contra a qual não tem havido grande debate? É que, contrariamente a este estado de coisas, há quem sobreviva, ou viva bem, no isolamento e até na reclusão. É o caso dos eremitas, anacoretas e ascetas, que optam por uma vida de recolhimento, meditação, sabedoria e paz; das irmãs seminaristas e dos monges de alguns credos mais ortodoxos, que entregam as suas vidas à causa religiosa; dos cansados da vida agitada que se voltam para outra mais rural e contemplativa; dos que deambulam sempre sozinhos nas grandes cidades.
 
A vida em sociedade, por outro lado, também não é fácil. Com tanta falta de civismo, tanto egoísmo, tanta lei da selva e do salve-se quem puder na mais moderna das metrópoles, faz-nos pensar sobre se é realmente este o estilo de vida que melhor serve a nossa espécie. Tanta violência doméstica, tanto divórcio litigioso, tanto crime passional só pode traduzir tensão e intolerância entre aqueles que são, ou outrora foram, significativos um para o outro. Agora imaginemos entre aqueles para os quais há absoluta indiferença: parece haver relação social sustentada por finos cordéis de boa educação e conduta. E o que é isto de educação? Nada mais do que a melhor das estratégias possíveis para aceitarmos e sermos aceites pelos outros desde o dia em que deixámos o nomadismo e nos tornámos sedentários, isto é, proprietários e capitalistas. No entanto a educação não é inata: é antes imposta, um decreto pela convivência.
 
Será que a vida dos isolados fica realmente em perigo? A companhia dos outros parece não ser, pelo menos em teoria, essencial à sobrevivência. É um pouco como a actividade sexual, que apesar de ser um impulso natural do qual não se escapa sem alguma resistência, não mata na abstinência prolongada.
 
Julgo que vivemos em sociedade porque nos habituámos a isso e esquecemo-nos que há tanta atracção do Homem pela sociedade, como do Victor de Aveyron pela floresta. Mas não temos muita escolha, pois não?
 
Smith
 

2 Comentários

Comentar Artigo

Porto | Portugal

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Equipa

> Alexandra Vaz

> Cidália Carvalho

> Ermelinda Macedo

> Fernando Couto

> Inês Ramos

> Jorge Saraiva

> José Azevedo

> Maria João Enes

> Marisa Fernandes

> Rui Duarte

> Sara Silva

> Sónia Abrantes

> Teresa Teixeira

Calendário

Março 2010

D S T Q Q S S
123456
78910111213
14151617181920
21222324252627
28293031

Arquivo

  1. 2019
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2018
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2017
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2016
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2015
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2014
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2013
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2012
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2011
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2010
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2009
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2008
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D

Comentários recentes

Ligações

Candidatos a Articulistas

Amigos do Mil Razões...

Apoio emocional

Promoção da saúde