Mas… há sempre um mas (Fé – 6)
Foto: Landscape - Enrique
Creio no Homem e na imutabilidade da sua natureza. Os tempos são exigentes, trazem doutrinas, religiões e novas filosofias de vida. Ele explora-as, explica-as, justifica-as, acredita-as, adere. Mas as novas correntes não lhe alteram a essência e nem assim, essa imutabilidade, lhe facilita o conhecimento de si mesmo.
Creio no Homem enquanto ser curioso, necessitado de entender o que o rodeia. Mas o que vejo são seres desligados, errantes sem metafísicas ou angústias que lhe tirem o sono.
Creio no Homem enquanto ser irrequieto em busca da felicidade. Mas vejo-o conformado, teorizando que a felicidade está além de qualquer coisa física, atingível apenas dentro da consciência.
Creio na bondade. Mas duvido das boas ações. Interrogo-me sobre as razões de tão nobres qualidades, mas os porquês ficam sem resposta.
Creio na necessidade de compartilhar. Mas as ações são egoístas.
Creio na necessidade de amar e ser amado. Mas a indiferença e o ódio levam a palma.
Creio nos afetos, na esperança que chega num abraço e nas certezas vindas num beijo. Mas foi um beijo que traiu Jesus Cristo e o levou à morte.
Creio nas energias positivas que fazem girar a roda e nos empurram nesta caminhada a que chamamos vida. Mas vejo desistências.
Creio na paz e na tranquilidade que a natureza, sempre conciliadora, oferece nas cores, nos sons e nos perfumes inebriantes. Mas conheço-lhe a força e o poder destruidor, rios que transbordam, mares que galgam, ventos que rasgam, terras que se abrem.
Creio na ordem natural das coisas, nascemos, maturamos, envelhecemos e morremos. Primeiro, filhos, depois avós, após termos sido pais. Morremos pela ordem inversa da vida, primeiro os avós, os filhos depois dos pais. Mas às vezes alguém se lembra de baralhar e trocar a ordem.
Creio no amor infinito de Deus e no amor absoluto a Ele. Mas sou tomada de noites escuras da alma na experiência dolorosa da busca do crescimento espiritual.
Creio em tudo porque tudo me parece real. Mas não me rendo a nada.
E, com todos os Mas a rematarem os meus credos, o mais certo é que não haja sintonia entre mim e aquilo em que acredito. Não sei desligar-me do coração e da mente onde arrumo e revisito as minhas crenças e entregar-me confiante à execução dos meus credos sem esperar nada em troca. Falta-me transcendência e profundidade. Falta-me fé.
Cidália Carvalho