Sê criança, sem vergonha (Humildade – 8)
Foto: People - Hai Nguyen Tien
Ser humilde é teres a noção da criança que outrora foste. A vida encarregou-se de te dar tempo e tu deste-te ao encargo de te dares o que quiseste, ou o que conseguiste. Pelo caminho ganhaste e perdeste. Às vezes avançaste, noutras recuaste. Desde o início dos inícios criaste relações, primeiro com o ventre materno e, pouco mais tarde, com todos os outros que tocaste e te tocaram. Aprendeste a deslocar-te no mundo e a comunicar. Afirmaste-te num espaço, mostrando quem és, o que te define, no que acreditas. Umas vezes fizeste-o bem, noutras nem por isso. Talvez a culpa não seja tua, mas da família onde cresceste, que, por sua vez, cresceu numa família maior que ela. Talvez a culpa seja da sociedade, que te empurrou para a cultura do ter e não do ser. Sim, eu sei que já te mostraste arrogante e pretensioso. Sei que já foste tudo menos humilde. Sei que já mentiste, sei que já manipulaste. Sei que já te mostraste quem não és. Mas, como se diz por vezes, levianamente, “não faz mal…”. Não faz mal porque também eu já o fiz. Eu e todos os que conheces e conhecemos. Vivemos numa inquietude constante, numa corda fina que calcorreamos com um certo medo, com medo de que o medo nos apanhe. E assim construímos muros que nos protegem, mas que nos separam. A racionalização, a justificação e a segurança mantêm-te muitas vezes preso, colado a uma imagem que com muito custo construíste, e com muito esforço escondeste tudo o que não és. E, afinal, quem és tu? O relógio que te adorna o pulso? O carro que te preenche a garagem? O telemóvel que trazes no bolso? Ou os likes que tens nas fotos de verão? Enfim, se calhar tudo isso e nada disso. Curiosamente, por vezes até escondes o que tens, para te mostrares humilde. Ou então mostras, mas de forma despretensiosa, como se o objeto em causa fosse uma banalidade que não te custa a pagar. Contudo, mais danoso para ti e para todos, não é quando se fala de materialidade, mas sim quando remete para a consciência e comportamento. É agires em conformidade. Olhares para o mundo e para os outros com respeito e admiração. Não dares as pequenas e as grandes coisas por certas. Dar para receber. Ser humilde para aceitar o que te dão. Ser humilde é teres a noção da criança que outrora foste.
Rui Duarte