O artista e os imbecis (Humildade – 6)
Foto: Acolá - Fernando Couto
Paolo Zanarella é músico, pianista. Para alguns, muito bom, para outros, bom ou nem por isso, que isto do gostar é muito democrático. O que o distingue dos demais e o torna conhecido mundialmente é a forma de estar e de nos dar a sua música. Um pianista fora do lugar, é assim que se intitula e dá mote aos seus concertos. Leva o piano para as águas do grande canal em Veneza, para uma gôndola, um rio, montanhas, praças, suspenso entre dois prédios, e muitos outros lugares tão inesperados quanto os enunciados. Aí atua, dá asas a quem quer ser asado e elevar-se ao som dos seus acordes. Dispenso-me de mais delongas sobre as suas atuações porquanto, a quem interessar, poderá segui-lo na Internet. Não é o Paolo Zanarella, músico, que quero dar a conhecer, se refiro o seu lado artístico é tão somente para atentar no quão famoso é e de como isso não o eleva nem o coloca em cima de tamancos.
Cruzei-me com o Paolo Zanarella num dos seus insólitos momentos musicais. Desta vez o piano estava instalado no meio da ponte Pietra, no rio Ádige em Verona. Fato preto, cachecol branco, coluna ereta, posições relaxadas, querendo isto dizer, descontraído, as mãos levemente arqueadas. Era o Paolo na pose de pianista a percorrer os dedos pelo teclado num arranque de melodias de fazer parar os transeuntes. Parei também. Gostava do que ouvia. De repente, a música calara-se. Paolo parara de tocar. Levantara-se e falava com um casal que o abordara. De que falavam? Estariam aquelas pessoas a tecer-lhe elogios e ele, levantara-se para respeitosamente agradecer? O casal, turistas denunciados por um mapa aberto e, nessa qualidade, no gozo de liberdades reconhecidas a quem é de fora, queria saber que direção tomar para chegar ao castelo que se via no cimo da colina, mas sem estrada visível de acesso. O absurdo da situação teve a espantosa solicitude do artista que, com visível simpatia, os esclareceu indicando-lhe a rua que deviam percorrer, para de seguida continuar a fazer o que o tinha levado ali – tocar.
Se bem que, concetualmente, humildade seja vizinha próxima da cordialidade, respeito, simplicidade, ela é muito mais do que estas etiquetas impostas socialmente em nome de uma convivência civilizada. A humildade é a face visível da capacidade de nos reconhecermos e agirmos fielmente com o que sabemos ser. Nesta medida, a humildade é um exercício interessante que nos põe à prova todos os dias. É grande a tendência para nos descentrarmos do que somos e focarmo-nos no que esperam que sejamos, mas vale a pena contrariar esta tendência, por ninguém, por nós, para não cairmos em vaidades ou humilhações, riscos que não corremos quando sabemos o que somos e valemos, façamos nós o que fizermos.
A humildade de Paolo Zanarella pô-lo à prova publicamente, ele soube estar à altura e eu gostei do que vi, e do que ouvi, já agora.
Cidália Carvalho