No Louvre (Humildade – 5)
Foto: Sculpture - Ilona
As esculturas incomodam-me. Apreciar uma ou duas é um deleite, muitas mais já algo se coça dentro de mim, fazendo-me desviar o olhar. Até com desdém, por vezes.
Representar partes de corpos, um busto, cabeça, rostos, de pessoas que não nos dizem nada. Quando a vida nos dói, um certo representar da vida soa a falso, plástico.
Sentei-me numa escada ao lado de uma representação com ninfa e um Deus e crianças brincando em torno das duas ou três figuras. As imagens pareciam estar entretidas naquela sua dinâmica, algo de rotina e de improviso de onde desponta o espontâneo. Pareciam dar-se ao olhar, à exposição do meu desejo de ver e observar tudo. Voyeur.
Toda a escultura jogava bem ao Olhem para mim, somos todos bonitos.
Uma das figuras apanho-a a fitar-me de estuque na minha direção. Continuei a minha ignorância e desdém. Desvio o olhar e outras vidas se colocam ao meu lado a tirar fotografias, também na tentativa de se agarrarem à ilusão de que vão viver para sempre.
Perpassa-me o choque que tudo é vão e tal como eu, outra pessoa se sentará nas escadas, cansada. No mesmo jogo de flirt com a estátua.
O olhar de estuque incomoda-me. Pergunta-me: “Nós somos falsos, mas ficamos séculos e milénios aqui. E tu?”.
Guardo então o tempo, afinco e entrega ao esculpir uma figura. Meses, anos e naquele ritmo, aquela hora, dias de chuva e de sol. Guardo celebrar os outros que passam esta chuva e sol connosco, nos pequenos sorrisos ou olhares. Na relação entre a obra e o escultor, nasce uma ligação, uma presença em que um não existe sem o outro. Guardo esse molde também para a relação connosco. Mesmo se a pedra falhar e houver um ponto fraco, racha. Tentar embelezar ou partir de outro ponto mais atrás e seguro. Cuidemos de nós próprios com essa presença, principalmente quando mais arde, nessas horas mais modestas.
Maria João Enes