A riqueza (Humildade – 2)
Foto: Friendship - G_Grilli30
No topo da montanha vivia um mestre sábio ao qual muitos recorriam em momentos de adversidade. Certo dia, dois forasteiros subiram a montanha em busca dos conselhos deste homem sapiente. Um deles possuía uma riqueza vasta e angustiava-se por estar prestes a perdê-la. O outro homem era pobre e sofria por não poder ajudar o filho que se encontrava gravemente doente, uma dor terrível que lhe consumia o espírito.
Quando o primeiro homem se encontrou com o mestre, falou-lhe de todos os seus tesouros e de como trabalhara arduamente para consegui-los, enaltecendo-se e ressalvando cada joia e cada moeda conquistada.
O segundo reconhecia as suas incapacidades e a sua pequena dimensão neste vasto universo, esperançoso de que o amor que nutria pelo filho pudesse ser suficiente, quando não tinha muito mais para lhe oferecer, nem mais que pudesse fazer.
O mestre escutou-os em silêncio, e ao fim de largos minutos, decidiu chamar os dois homens para que estes dialogassem.
- Há muito que podemos aprender uns com os outros, tanto nas diferenças como nas semelhanças. Ambos possuem riquezas que estão em vias de perder. Ambos sofrem com isso. E é na partilha que encontrarão as respostas que buscam.
Os homens entreolharam-se, estupefactos com o que o mestre lhes dissera, desconfiados de que tanto um como outro pudessem ser a solução dos problemas vigentes, mas aceitaram a recomendação que ele lhes dera.
Quando o mestre se ausentou para que eles pudessem falar, os dois homens confessaram as suas vidas e as suas mágoas, expetantes com o que daí pudesse advir.
O primeiro, vaidoso do seu estatuto e do que tinha, fez um inventário dos seus bens e do poder económico de que gozava. Era um homem rico que fizera maus investimentos e em breve iria perder tudo.
Quando o segundo lhe falou do filho, da doença que tinha e de como não conseguia ajudá-lo por não dispor dos meios necessários, o primeiro homem reconheceu o seu erro. Tinha-lhe falado de coisas e do seu apego às coisas, alheio ao que de verdade importava. Ao ouvir aquele homem a falar do amor que tinha ao filho, percebeu que os seus bens não tinham qualquer valor quando comparados com a vida daqueles que amava. Mas ainda havia algo a fazer. Ainda havia esperança.
- Falaste-me do teu filho e das dificuldades que atravessas. As minhas angústias não são nada face à tua dor. Perdoa-me por me ter achado superior.
- Todos temos as nossas dores. Não são maiores ou menores, são apenas distintas. Não há nada a perdoar. – assentiu o segundo homem.
- Ensinas-me a nobreza de caráter e por isso te estou agradecido. Sei que não me restará muito do que fui juntando ao longo dos anos, pelas dívidas que tenho a pagar, mas do que ainda tenho dou-te parte para que possas salvar aquele que amas.
- É um gesto muito bondoso, mas eu não posso aceitar. Não posso ficar com algo que não me pertence, com algo que depois lhe fará falta.
- Estas riquezas podem ser repostas, substituídas. Terei mais cuidado nos futuros negócios que fizer. Mas nada trará o teu filho de volta. Nada substituí uma vida, uma pessoa. Aceita o que te entrego de bom grado. Faz-te mais falta a ti do que a mim e assim ambos sairemos mais ricos desta partilha.
O segundo homem aceitou a oferenda com alguma relutância e constrangimento. Nunca no decorrer da sua existência tinha possuído tanto, nem tido tantos bens como naquele instante, mas só assim poderia resgatar o filho.
Despediram-se com agradecimentos e desejos de Fortúnio, satisfeitos com o culminar da sua demanda.
Meses depois do encontro no topo da montanha, ambos os homens se tinham libertado do seu sofrimento.
Com os bens do primeiro homem, o segundo pôde providenciar o tratamento de que o seu filho precisava, que a par do amor que nutria por ele, potenciaram a sua cura e a sua reabilitação. Era agora ainda mais feliz por ter a seu lado o seu filho, bem e de boa saúde.
Eventualmente, o primeiro homem perdeu o que lhe restava, anulando as dívidas que criara. Desprovido da riqueza material, aprendeu a regozijar-se com outros aspetos da sua vida e tornou-se num homem mais generoso e menos superficial. Não voltou a ser dono de tudo o quanto era de bom e do melhor, mas conseguiu levar uma vida modesta graças aos seus novos negócios e às boas gentes que com ele partilhavam os bens que escasseavam, reconhecendo a bondade daquele homem.
O mestre tinha razão na decisão que tomara. Efetivamente é pela partilha que enriquecemos e é através da humildade que se nos apresentam os maiores tesouros.
Sara Silva