Há remédios tantos... (Dor – 12)
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“... As garras frias duma Dor excruciante subjugaram-me ali, num instante que durou um tempo submerso. Um “destempo”, poço desconhecido, imensurável. Um tempo a que não pude negar o meu corpo, mesmo ficando assim, imóvel e gelada, petrificada, como se quisesse enganar a Vida... ou a Morte.
Como se quisesse que a vida me ignorasse, passasse por mim sem me ver, sem me tocar, sem me ferir de morte...”
(Diário pessoal)
Outra vez, fatalmente, falar da Dor. Não a dor física, aquela que vai e volta, como se, por acidente ou por garantia, tocasse estridentemente a um canto qualquer do nosso corpo, para nos tirar o sossego… ou a solidão. Ou aquela que vai ficando, se encanta por um qualquer pormenor da nossa arquitetura e se vai demorando, às vezes a ponto de roer os nossos alicerces.
Desta vez, depois de tantas, falar na Dor. Aquela a que ninguém julga poder sobreviver, aquela que altera a disposição do universo. E falar da força, do tempo, da aceitação, da gratidão.
Da força: sim, é mesmo verdade - nascemos com capacidades de fortaleza inimagináveis. Só saberemos o poder que temos quando obrigados a carregar às costas a nossa cruz, enquanto desbravamos, a cada dia, um caminho de espinhos, tomando especial cuidado em não magoar quem amamos, carregando ao colo os nossos filhos e empurrando à nossa frente o mundo inteiro, se for preciso – usando, a nosso favor, os ventos do tempo.
Do tempo: a sinergia do universo é incrível, há um poder magnânimo que rege todas as coisas, e todas as coisas nascem com tempo dentro. O tempo é instinto primordial e íntimo - julgo eu, contrariando quem diz que não passa de uma conceção humana. O tempo é o motor de todas as forças: desde a mais ínfima partícula subatómica, até à incalculável grandeza da Dor de perder um filho, tudo, tudo, se rege pela certeza (alívio) dos ciclos, da necessidade de movimentação, de seguir os instintos, de respeitar os tempos. Vejam a própria Terra: ela própria, girando sobre si mesma e à volta do sol, generosamente, permitindo, assim, luz e estações pródigas a todos os seus cantinhos, não está a seguir mais que o seu instinto de sobrevivência – não está a usar mais nada senão o tempo.
Aceitar a ordem do tempo é essencial.
Da aceitação: confesso, eu, que me revoltei – aceitar não é fácil. Mas é possível, é natural, usando a nossa força de nascença e a bondade do tempo, esse instinto do universo que nasceu antes de nós para nos ajudar no caminho. O tempo é remédio, dizem. Sim, remédio, conselheiro, pai natal, camélias outra vez, cerejas, férias em família, vindimas, castanhas assadas… inverno (por mais que doa…), primavera, verão, outono, luz de todas as manhãs, um sorriso, ou um beijo, ou um abraço. Vida: ver os filhos crescer, uma netinha a chegar. Estar disponível para dar. E para receber.
Sim, finalmente, reconhecer que aceitamos. Tudo. O passado, o presente, o futuro. A vida é uma cumpridora de promessas em quem nunca podemos perder a fé.
É hora de agradecer.
Da gratidão: ah, isso tem a ver com saudade… afinal, o que é a saudade, senão uma espécie de gratidão? Que, primeiro, vem ferida, magoada. Tão ferida, tão magoada, que dói, dói que se farta. Dói tanto, que às vezes pensamos que a morte nos doeria menos.
Depois, com a ajuda da força, do tempo e da aceitação, essa ferida terrível na nossa pobre gratidão, vai sarando, vai-se curando sozinha, devagarinho – transformando a dor em qualquer coisa de mais doce, mais próxima da nostalgia. Tão perto, sempre, do Amor. De vez em quando, claro, como qualquer dor no corpo, a dor na alma manifesta-se, sob qualquer efeito exterior, pontualmente. Assim como o frio, a chuva, a mudança de tempo, se manifestam nos nossos ossos fragilizados por qualquer mal, uma palavra, uma imagem, uma lembrança, pode, sim, provocar uma pontada de tristeza no coração, uma lágrima a picar-nos os olhos. Mas a Gratidão vem acudir. Abraça-me, aponta-me o céu… porque ele sabe, ele é testemunha dos dias felizes, dos anos felizes que antecederam a Grande Dor – os mimos, os abraços, as pequenas alegrias, os preciosos momentos, a luz que me ficou. E agradeço. Agradeço Tudo o que tenho. Tanto que eu tenho!
Saudade é Gratidão. Gratidão é Amor.
Teresa Teixeira