É como se fosse (Urgência – 8)
Foto: Millennial - Quinn Kampschroer
É sexta feira à noite, trabalhei até tarde, todo o dia. Toda a santa semana. Acabei um jantar de restos, em casa. Estou cansado, o corpo pesa-me, cai-me, quase desvalido, no sofá. Não tenho programa para o início de fim de semana, nem procuro ter. Não me apetece.
Mecanicamente, sonolentamente, automaticamente pressiono a tecla do comando e deslizo a vista, sem ver, pelos vários canais da televisão. O mesmo pelos aplicativos e redes sociais do telemóvel sempre na mão. Encosto a cabeça para trás...
Toca o telefone, o toque do cartão profissional.
Grande surpresa, das antigas! É um grande parceiro e amigo de Coimbra, que já não vejo e de quem já não tenho notícias há anos, por mais que as tivesse procurado ter. Está no Porto. Conseguiu o número de telefone na minha página profissional. Não preciso de mais nada, basta-me a sua voz, um pouco mais grave e rouca, para, sobressaltado, melhor, entusiasmado, o reconhecer. Grande, saudoso amigo, finalmente! Como estás tu, como me descobriste? Claro que vou, imediatamente. Apanho-te no hotel, vamos conversar, beber um copo. Pôr a conversa, as nossas vidas, em dia!
Já percebestes, o sono, a canseira, esfumaram-se. O que tenho é entusiasmo. Despertei. Até parece que tenho menos 30 e tal anos. Maravilha de surpresa, é bom ter alegrias assim.
A situação pode ser esta, similar, semelhante. Acredito que não é difícil assimilar o que se passou. Já todos passámos por isto, basta fazer as devidas adaptações pessoais. Fácil de compreender, não é?
Convirá é ir buscar estas vivências, por que todos já passámos e observámos nos outros, quando precisamos delas. Quando estamos cansados, ou descrentes, ou desmotivados. Quando não nos apetece e… talvez amanhã ou depois.
Urgência, emergência, importância. Muitas vezes confundimos conceitos, situações. Deixamos andar. Por algum motivo estamos cansados. Só a sirene, o final do prazo nos espicaça e nos dá a vontade, a força que estava escondida, adormecida.
É hoje em dia evidente como verdadeira a tese de Ortega y Gasset de que o Homem é ele próprio e a sua circunstância.
Sabido e aceite isto, falta, convirá, aplicar. Fazer. Não deixar para o acaso ou iniciativa de outros o que nós podemos também fazer, nos nossos termos. Construir, erguer mecanismos interiores que nos ajudem a assumir que o que é importante é como se fosse urgente. Não o contrário.
Ser reativo pode ser bom. Desenrasca. Ser proativo é melhor.
Jorge Saraiva