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Mil Razões...

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

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27
Nov17

Encantos do Mar (Mistérios – 5)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Sea - 12019

 

O Mar, com os seus mistérios naturais, com os seus encantos e seus perigos, é um rico e fértil território para o desenvolvimento de mitos e lendas. Tal deve-se, por um lado, ao mistério e ao desconhecido que habita nas suas paragens longínquas e, por outro lado, à própria imaginação do ser humano.

Há muito que se ouvem histórias sobre monstros e criaturas marinhas, fantasmas que assombram os oceanos. Podemos destacar na “Odisseia” o episódio das sereias encantadas, que, com os seus cantos, levavam homens e almas para o fundo do Mar; o célebre mistério do triângulo das “Bermudas” em que navios e embarcações misteriosamente desapareceram; a história ou mera lenda sobre a “Atlântida”, esse antigo continente que teria formado uma ligação entre a Europa e a América; o fenómeno das marés, influenciado ou não pela Lua, que ainda não foi totalmente explicado. Fonte contínua de vida e de inspiração para o Homem, o Mar guarda mistérios insondáveis e esconde dentro de si múltiplos segredos.

Pouca ou nenhuma gente saberá dizer o que se esconde nas suas profundezas, mas, seguramente, constituirá sempre um mistério algumas das formas de vida dos animais e plantas que nele vivem. Ainda bem! Sem ele - até porque nos brinda com o melhor dos nossos alimentos - o Mundo em que vivemos seria inconcebível. São os seus mistérios que o tornam ainda mais enigmático. Sua grandiosidade, sua força incomensurável, sua beleza natural, sua inesgotável fonte de recursos têm inspirado, ao longo dos tempos, obras-primas da literatura e da poesia. Cada mistério que dele se desvenda parece ser um milagre da “Natureza”. Amorável e austero, guia da humanidade, foi ele que embalou o berço do Homem e que em seguida o despertou para os grandes feitos, sugerindo-lhe as primeiras noções do Universo.

 

Pode afirmar-se que o Mar tem muito da natureza humana. Mas cuidado, o Mar também inspira respeito e muito! Por isso, deixemos de o agredir e de o tratar tão mal, como vem acontecendo nos últimos anos, com o lixo para ele lançado. O Mar só causa problemas a quem não o respeita e, para evitar esses perigos, basta respeitá-lo. Saibamos, por isso, respeitá-lo para podermos continuar a sonhar e a desfrutar dos seus encantos e mistérios.

 

José Azevedo

 

24
Nov17

A mansão (Mistérios – 4)

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Gargoyle - Dean Moriarty.jpg

Foto: Gargoyle - Dean Moriarty

 

Ao ver o velho portão não consegui conter um largo sorriso onde cabiam os medos ingénuos da infância. Para muitos ele era apenas o velho portão, guardião da casa em ruinas, mas para mim ele ganhou História com as histórias que dele se inventavam, ou não. Também ele cedeu ao tempo, estava perro e a ferrugem tingiu de ocre o chão. As ervas cobriram o passeio até à casa e estendiam hastes ameaçadoras por entre o gradeado. Mas, apesar de abandonado, ansiava atravessá-lo, queria chegar à casa e ver o que encerrava e que tanto assustava a pequenada do meu tempo. Empurrei-o. Rangeu furioso, protestante por ser arrancado à sua quietude, mas não se mexeu. Apliquei-me ainda mais, empurrei-o novamente, cedeu alguns centímetros, ainda assim não me permitiu entrada. No alto do gradeamento as carrancas de madeira intencionalmente ali colocadas pelo antigo dono, pareciam rir-se do esforço. Lá ao fundo, nas paredes da enigmática casa, as gárgulas demoníacas confiavam-se ao decrépito portão. Há muito que deixei de me assustar com tamanha fealdade, mas tempos houve em que só passava junto ao portão acompanhada dos meus colegas, tão assustados quanto eu. Se chovia e fazia vento, o ruído dos ramos das árvores adensava o mistério do lugar, mas se o tempo era de calmaria e a natureza se quedava, até o som das delicadas sementes das brizas e o balouçar do espanta-espíritos no alpendre nos chegava ameaçador. Dos adultos, ouvíamos as histórias fantásticas dos acontecimentos. Pessoas que desapareciam, tesouros guardados por um touro diabólico, barulhos indecifráveis, luzes que se acendiam e silhuetas que passeavam pela casa e pelo jardim. Assim, com todo este peso simbólico, quando a pequenada queria aferir da valentia de alguém, desafiava para passar o portão, atravessar o jardim e entrar na casa. Os mais aguerridos aceitavam as apostas, mas envergonhadamente derrotados desistiam mal a haste de uma erva lhes roçasse a cara. Lembro-me de um que, já quase a entrar em casa, fingiu uma entorse no pé quando subia o alpendre, desistiu, mas todos lhe admiraram a coragem, nunca ninguém tinha chagado tão próximo de entrar na casa.

 

Por essa altura chegou à escola um menino de uma aldeia vizinha. Desconhecedor dos fenómenos, aceitou entrar em casa e, com a inconsciência que a ignorância confere, sem rodeios abriu o portão, passou o jardim e entrou. Cá fora, com as caras encostadas às grades, as crianças esperavam. Era muita a ansiedade e a espera interminável, alguns adiantavam que era mais um a desaparecer nas ruínas misteriosas da mansão. Com a culpa a aflorar nos gestos e risinhos nervosos, já falavam em ir embora quando, com a mesma segurança com que entrara, viram o rapaz assomar à porta. No jardim cortou um ramo de flores bravias que entregou à Margarida por quem, diziam, se encantara, com a promessa de a levar com ele da próxima vez que ali voltasse. E ela, embevecida, prometeu-lhe que assim seria. Os outros procuravam sinais de pânico, faziam-lhe perguntas do que vira e ouvira e de como era lá dentro, mas o rapaz a nada respondia.

Um dia, no fim das aulas, viram-nos entrar na casa, ele à frente e ela atrás, hesitante mas obediente ao chamamento do amigo. Não avaliaram quanto tempo por lá andaram, mas quando saíram vinham de mãos dadas e sorriam. E se assim era com eles, então talvez não houvesse razão para tanto medo à volta da casa, pensavam os outros. Não sei se algum deles se atreveu alguma vez a passar o portão, mas aquele lugar deixou de ser misterioso e perdeu a curiosidade que até então suscitara. Passávamos sem a olharmos e caminhávamos de costas viradas sem receio de algum perigo que nos pudesse surpreender.

 

Ainda tento, mais uma vez, enterrar este fantasma do passado; gostava muito de visitar a casa, mas o portão teima em não se deixar arrastar. Dou meia-volta com intenção de me afastar. De repente, atrás de mim, o ranger de ferro-velho. Viro-me ainda a tempo de ver o velho portão fechar-se abruptamente. E, como antigamente, o riso das gárgulas e das carrancas a estugar-me o passo para longe daquele lugar misterioso.

 

Cidália Carvalho

 

22
Nov17

Incertezas (Mistérios – 3)

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Scientist - Lucas Vasques.jpg

Foto: Scientist - Lucas Vasques

 

O que vai ocorrer daqui a alguns dias na vida de cada um? É desconhecido.

Como vamos reagir aos acontecimentos ocorridos? Não adivinho.

Como vão reagir as pessoas ao meu comportamento? Não sei.

O que esperam as pessoas de mim? Não faço ideia.

O que espero dos outros? Tenho uma ideia, mas não arrisco ter certezas.

Que acontecimentos são previsíveis? Já se soube mais relativamente a alguns… as variáveis alteram-se.

Porque ocorrem determinados fenómenos naturais? Várias explicações aparecem para os justificar. 

Como se reorganizam vidas interrompidas por fenómenos devastadores? Só consigo dizer que deve ser muito difícil.

Apesar das fantásticas descobertas científicas e tecnológicas, porque é que vários tratamentos funcionam em algumas pessoas e noutras não? O que fazer na individualidade que nos define? Ainda é um campo a descobrir? Ao que parece, sim.

Quantas questões se poderiam colocar que se afiguram difíceis de obter resposta? Um número indefinido.

Quantas respostas com incerteza se poderiam avançar? Muitas.

A vida é um conjunto de mistérios? Talvez!

 

Ermelinda Macedo

 

20
Nov17

Razão e sensação (Mistérios – 2)

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Foto: Ballerina - Pexels

 

Caminhava despreocupadamente pela rua, distraída com os afazeres da rotina. Sem que nos apercebamos, é assim que a vida passa por nós, enquanto a mente está mergulhada noutros mundos. Foi então que um vislumbre a retirou das indagações trazendo-a para o presente. A visão de alguém longamente ausente, ali, num acaso curioso proporcionado pelos fios do destino. Depois de usufruído o momento, deu por si a pensar em como há acontecimentos e coisas que não são possíveis nem passíveis de serem explicadas. Não havia qualquer razão nem fundamento para aquelas duas almas se encontrarem no mesmo espaço à mesma hora. Mas a verdade é que foi isso o que sucedeu.

 

E quantos mistérios mais existem sem que os entendamos ou compreendamos por completo!... Talvez nunca venhamos a descobrir a origem verídica do universo, de que é que é feito o divino, o porquê do ser humano habitar a Terra ou da vida existir assim, tal e qual como a conhecemos. Talvez nunca saibamos o que existe além da vida corpórea, o porquê de certos sonhos se constatarem na realidade, os contornos da verdade em diversos contextos e o que sustenta as capacidades infinitas de que somos portadores. Não há ciência nem razão que consigam detalhar e aprofundar tudo o que ocorre, havendo sempre alguma coisa que carece de explicação. Porque nem tudo foi feito para ser entendido, mas sim para ser sentido, de modo a que a sua essência e a sua substância se revelem em todo o seu esplendor.

E é assim, graças a esses mistérios, que é conferida alguma magia à nossa existência.

 

Sara Silva

 

17
Nov17

Futuro (Mistérios – 1)

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Foto: Flatfoot - Stefan Schweihofer

 

Nada sabemos.

Quando pensamos que conseguimos prever tudo, trabalhar para um objetivo, antecipar todas e mais algumas respostas e reações, nada sabemos.

Decidir com ponderação? Sim.

Decidir com a certeza de que é o mais acertado? Não, pelo menos amanhã.

Nada sabemos.

Hoje acordo e penso: vou treinar, conversar, trabalhar, almoçar, ...

Afinal o que acontece é: tive um furo no pneu do carro, treinei em casa, conversei com as paredes, almocei algo que coloquei na liquidificadora só para dizer que comi.

E quando ela acontece? A morte...

Morte de um pensamento, de palavras ditas. Morte de uma relação, de um amor. Morte de um ser, de um sonho...

Nada sabemos.

O que nos move? Isso mesmo, o nada saber e querer desvendar esse mistério permanentemente.

 

Sónia Abrantes

 

15
Nov17

Athos - o meu Amigo Iluminado (Deficiência - 15)

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Foto: Knight - FotoRC

 

Deficiência é uma palavra pesada, carregada de negativismo que a história da Humanidade foi usando e abusando da forma que lhe deu mais jeito. Não é raro ouvirmos na rua alguém chamar deficiente a outra pessoa da forma mais grotesca e gratuita, quando na verdade, a verdadeira deficiência está em quem não aceita a diferença. Eu não tenho grande conhecimento nessa matéria, o que posso referir é que acredito que as pessoas com limitações são um grande exemplo na forma como se superam a si mesmas. É o caso do meu Amigo Iluminado.

O meu Amigo Iluminado era um jovem de 17 anos, no despontar do seu florescimento para a vida, com todos os sonhos nas mãos, quando umas dores muito intensas no joelho direito o levaram na direção do IPO. Assim sem mais nem porquê, foi-lhe diagnosticado um tumor maligno. Após semanas de quimioterapia que não surtiram efeito, o meu Amigo Iluminado foi confrontado com a terrível realidade de que para viver teria de amputar a perna direita acima do joelho. Já disse que ele tinha 17 anos? Recebeu sozinho a notícia numa consulta de grupo, as lágrimas rolaram-lhe pela face durante muito tempo, mas mesmo assim, chegou à enfermaria e almoçou com as lágrimas a misturarem-se na comida. Quando chegaram os pais para a visita e teve que lhes dar a dura notícia, chorou com a Mãe e ainda a confortou o melhor que pode. Desde a cirurgia, até ao momento em que começou a usar a sua primeira prótese, passaram mais de oito meses. Nunca se queixou, nunca se deixou ir abaixo, sabia que era uma questão de escolha: viver ou morrer. O que eu acho mais espantoso para além de toda a força de vontade que sempre demonstrou durante esse processo, foi a Fé que ele sentia e ainda sente.

 

Conhecemo-nos por esses dias, há cerca de oito anos, numa altura em que as trevas ainda circundavam muito a minha vida, e com o passar dos dias fomos cimentando uma amizade e uma cumplicidade excecional. O meu Amigo Iluminado, mesmo morando numa cidade vizinha, tornou-se presença constante na minha vida e, como eu lhe chamava um verdadeiro Mosqueteiro, partilhámos alguns momentos verdadeiramente cúmplices. Foi (ainda é) de longe, um dos melhores amigos com que a vida me presenteou.

O que é que eu aprendi sobre deficiência durante estes anos com o meu Amigo Iluminado? Muito pouco. Mas sobre superação, sobre Fé, sobre acreditar, sobre seguir em frente, o meu Amigo Iluminado deu-me uma grande lição. Por esta altura, já não tem 17 anos, mas continua a ter todos os sonhos do mundo nas mãos e sabe que só depende de si próprio para que estes se realizem.

 

Ana Bessa Martins

 

13
Nov17

Tudo está no lugar certo (Deficiência - 14)

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Balcony - Hans Dietmann.jpg

Foto: Balcony - Hans Dietmann

 

No outro dia sentei-me num banco de jardim a observar. Observar tudo. As árvores, os carros, as varandas, a roupa a secar nessas varandas. Até observei os cheiros, as texturas, o sabor de tudo. Observar é maravilhoso. Apenas sentir tudo com profunda atenção e com o mínimo de julgamento. Enche o coração de alegria e clarifica o mental. No fundo, é uma meditação. Estar conscientemente concentrado em algo é purificante. É uma das formas mais simples de preencher um vazio da alma, porque quando algo nos falta, seja a nível físico, seja no coração ou na alma, é preciso encontrar aquele lugar que existe em nós, bem lá no fundo, que é onde reside a tranquilidade. É onde se pode perceber de forma quase mágica que tudo acontece por uma razão, que nada é caótico na nossa existência. E esse caminho pode ser encontrado através dos sentidos. Todos eles ou apenas um, nos podem levar a esse estado de apaziguamento. Como? Observando... não com os olhos, mas sim com a Alma. Perceber, aqui, agora, que temos exatamente o que precisamos para evoluir. Nada falta. Tudo está no lugar certo.

 

Sara Almeida

 

10
Nov17

O pior cego é aquele que não quer enxergar (Deficiência – 13)

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Blind - George Hodan.jpg

Foto: Blind - George Hodan

 

Deficiente é aquele ser incompleto, falho, a quem falta algo. Assim está no dicionário. Mas há que se pensar se nós, seres humanos, não somos por essência seres incompletos?

Na nossa sociedade é fácil reconhecer um deficiente por alguma característica física. Aquele que não pode se mover sem auxílio de uma cadeira de rodas, outro que segue seu caminho a tatear as ruas com um instrumento por não possuir o dom da visão. Algumas deficiências são explícitas, não há como se camuflar. Quem as possui tem que encarar as dificuldades impostas pela limitação física, além dos olhares de piedade das pessoas que andam pelas ruas, todos os dias.

No entanto, cada vez mais podemos observar histórias de pessoas incríveis que não aceitaram as limitações impostas pela sua condição física e vivem a vida da forma mais intensa possível. Desafiam os limites impostos pela medicina e pela sociedade e vivem suas vidas de forma intensa e inspiradora.

 

Por outro lado, há tantos outros deficientes que circulam na rua, mas não carregam no corpo de forma evidente a sua deficiência.

A falta de amor ao próximo é uma deficiência. A ignorância é uma deficiência. O preconceito é uma deficiência. A falta de humildade é uma deficiência. A falta de caráter é uma deficiência. A soberba é uma deficiência. Deficiências que não podemos notar só de olhar para a cara de um sujeito que, na verdade, pode parecer um ser impecável. Pode até ter um bom corpo vestido num bom fato. Mas tem a sua alma deficiente, deformada, degenerada. Como já dizia o ditado popular: “O pior cego é aquele que não quer enxergar”.

 

Leticia Silva

 

06
Nov17

Só é cego quem não quer ver! (Deficiência - 12)

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Sunrise - Martyn Cook.jpg

Foto: Sunrise - Martyn Cook

 

Estava um dia cinzento e chuvoso de outono. Sentei-me na esplanada coberta a apreciar o mar agitado.

“- O mar hoje está bonito! Várias tonalidades cinzentas e uma espuma alva borbulhante… Gosto do mar assim, revolto!” Diz-me com um sorriso entusiasmado.

Reparo que a voz vem do homem elegante sentado na mesa vizinha. Ao seu lado aninhado no chão, um cão-guia observa languidamente o tempo que passa.

Perante a minha reação estupefacta, ri-se: “- Ah ah ah! Deve achar estranho um cego como eu, estar a falar-lhe das cores do mar!”

“- Desculpe, não tinha reparado que é invisual. E surpreendeu-me o seu comentário quando o percebi.”

Continuámos a conversar até anoitecer e aprendi que não se É deficiente, ESTÁ-SE deficiente. Relatou que de certo modo todos somos deficientes em alguma função ou caraterística, quer do nosso corpo, quer da nossa vida nos seus variados contextos. Partilhou a sua opinião comigo, que a sociedade tem necessidade de catalogar as deficiências mais óbvias para as poder colmatar de alguma forma, integrando os cidadãos com essas deficiências.

 

Percebi que toda a pessoa é muito mais do que a sua deficiência ou limitação. Quando há uma limitação física, psicológica ou social, a pessoa tenta superar-se, exceder-se nas competências de que dispõe, como forma de mostrar a si e aos outros que também é capaz, que também está ativamente integrado na sociedade. Quando um dos órgãos dos sentidos está em falta, todos os outros se tornam mais apurados e desenvolvidos.

Tal como a vida é efémera, o estar saudável e ser considerado normal sem deficiências é efémero. Talvez se cada cidadão tivesse a consciência de que a sua “normalidade” não passa de um estado efémero, se tornasse mais disponível para compreender e tolerar as diferenças. Por doença, acidente, ou infortúnio, qualquer um de nós está vulnerável a uma alteração e perda das suas capacidades, da sua vida rotineira, normalizada. Como este meu novo amigo, companheiro de contemplação do mar e das suas tonalidades, num acidente de viação que lhe retirou a visão, mas o tornou ainda melhor observador do mundo à sua volta e mais além. Só é cego quem não quer ver!

 

Tayhta Visinho

 

03
Nov17

Obrigado… (Deficiência – 11)

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Foto: Business-man - Vigan Hajdari

 

Incontáveis vezes escrevi sobre deficiência. Aliás, de uma forma ou outra, todos os dias úteis o faço. Trabalho na APPACDM do Porto, instituição que, desde 1969, presta serviços a pessoas com deficiência intelectual e multideficiência. Faço-o há quase 17 anos e já vi e passei por tudo um pouco. Curiosamente, numa área em que aparentemente pouco muda e nada se “cura”, já muito se alterou no tempo em que cá estou. Começando pelos nomes que se dão às pessoas (débeis mentais, oligofrénicos, atrasados mentais, deficientes mentais, pessoas portadoras de deficiência mental, etc.), passando pelo modelo de intervenção nas idades escolares, acabando na própria visão da sociedade face à existência da diferença e da diversidade humana.

Posso dizer que cedo repudiei etiquetas e categorizações ou avaliações desnecessárias (daquelas que só servem para o técnico que as executa sentir que está a colmatar inseguranças profissionais). Posso dizer que cedo percebi que o melhor deste trabalho (e até vocação) é as pessoas. Os débeis, os idiotas, os atrasados. Enfim, os mais genuínos na sua natureza emocional e comportamental. Sim, claro, todas as pessoas têm filtros e gerem a sua relação com o mundo e com os outros segundo uma ótica individual. Contudo, na relação com as pessoas com quem trabalho, encontrei relações de franqueza, simplicidade e amizade desinteressada. Claro que elas também manipulam. Claro que também mentem, mas mesmo assim as suas mentiras são maioritariamente “puras”, ou pouco relevantes no grande contexto das coisas.

 

Embora não seja minha função “ensinar”, eu sei que muitos aprenderam comigo. E reconheço que muito aprendi com estas pessoas. Humildemente reconheço que o que sou hoje, as minhas atitudes e os meus valores, muito se regem pelas infindáveis horas em que passei, partilhei e pensei com e para eles.

Não se dá o devido valor à palavra incapacidade. Continua a confundir-se (e muito) com deficiência. Continuamos a não perceber como somos mais parecidos do que diferentes. Com o desaparecimento de algumas pessoas vi-me forçado a confrontar a minha incapacidade em aceitar “adequadamente” a morte. Com os problemas graves de comunicação de algumas pessoas vi-me forçado a trabalhar a minha incapacidade em escutar os outros com a devida atenção. Da confrontação com as condições de saúde de algumas pessoas e a sua reduzida esperança de vida, percebi a incapacidade que tinha em reconhecer o extraordinário valor que a própria vida tem.

 

Desculpem o texto algo lamechas, mas a verdade é que a minha experiência de vida (dure o que durar), para sempre e profundamente marcada ficou pelas pessoas com quem tenho a sorte de estar durante a semana. E por aquelas que, já cá não estando, esquecidas nunca serão. Obrigado a todos vós por me fazerem mais capaz.

 

Rui Duarte

 

Porto | Portugal

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