Uma alegoria de vida (Dar e receber – 19)
Foto: Woman – Gerd Altmann
Há coisas que passam por mim (ou eu passo por elas, enfim...), neste universozinho de fingir do Facebook (e da virtualidade em geral), que me põem os dedos a escamiçar. (Fui ver ao Priberam se esta palavrinha preciosa existia, mas não encontrei sombra dela... Que triste que eu fiquei. Sempre a ouvi, de pequenina, mas já lá vai tanto tempo, que nem sei se as minhas orelhas ainda têm o poder de ficarem escamiçadas quando recebo alguma reprimenda. Mas pronto, também quem é que se atreve a dar uma reprimenda a uma senhora de tão proveta idade?... Enfim. O mais certo é que a palavra não exista mesmo - entendam por encarniçar, s.f.f.. Serve.)
Pois, dizia eu que, à vista de certas coisas, os meus dedos ficam com uma espécie de urticária violenta e não posso deixar de escrever por eles abaixo - a ver se a maleita escorre e me alivia o cérebro...
Já nem é a primeira vez que leio queixumes do género:
“Ai, tantos amigos, e tão pouco beijos recebi hoje...”;
“Ai, hoje enlesmei-me numa massa de pizza, enrolei e levei-me ao forno - quem vai ler isto e sentir-se convidado a vir provar-me...?”;
“Aí, você mi manda um abraço...?”;
“Ai, se não comentam isto, vou apagar-me do mapa!”;
“Se eu me matar hoje, já sabem, é apenas porque sei que vocês não vão ler o meu post de amanhã”;
“Ando eu aqui a esforçar-me, a babar pérolas de cultura... e vocês nem um gostinho me dão à concha?...”;
“Ajudem-me: que é que eu faço aos cromos mortos, deito-os para o lixo ou mudo de casa?...”
Pois. Hoje quero eu dizer que abomino isso. Bem, não tanto os queixumes, que esses são maleitas de solidão. O que eu abomino, na verdade, são as chantagens, as cobranças que, sim, são sintomas de egoísmo e de ego exacerbado.
Repensem, meus caros: o Facebook é uma caderneta de cromos, sendo que os tais (os cromos) são só moeda de troca. É certo que também, em bons tempos e com ventos a favor, sempre se construíram e consolidaram amizades à conta disso, desse intercâmbio de interesses... Mas... oh, valha-nos Deus!... bem sabemos que, quase sempre, preenchida a caderneta, o INTERESSE se perdia. Ou, pronto, ficava guardado lá na gavetinha dos troféus. Aquela da escrivaninha de pinho onde cabia tudo, desde chicletes mascados, à cartinha de amor do(a) colega da 1ª classe.
Repensem, caríssimos cobradores de palmadinhas nas costas: esses cromos de que se queixam, dizendo que os vão eliminar porque são meros números, um peso morto na vossa barca de paraíso... a esses cromos, quanta assistência lhes têm prestado?... Quantas vezes os revisitaram (ou visitaram), para lhes apalparem o pulso e ver de que qualidade são feitos?... Quantas vezes os ignoraram ostensivamente, lá do alto do vosso inchado umbigo...? Sabem, pelo menos, em que caderneta precisaram deles?...
Meus caros, antes de mais, subam lá ao alto das vossas inteligentíssimas consciências: de lá, terão certamente uma mais abrangente visão deste universozinho. E, mais importante, relembrem aquela máxima da vossa avozinha (sim, porque acredito que tenham, tal como os pobres mortais onde eu me incluo, uma sábia e doce avozinha; paz à sua alma): “- Mãos que não dais... por que esperais?”.
Teresa Teixeira