O paraquedas (Dar e receber – 16)
Foto: Screen – Hans Braxmeier
Nestes dias que correm, é-me difícil associar o proverbial dar e receber a qualquer coisa de inevitavelmente positivo, do género dar é receber. Como se todos nós fossemos imbuídos desse espírito puro em que a alegria está no dar muito mais do que no receber e que este é um processo tipo boomerang, em que recebemos sempre algo de volta, nem que seja a alegria de fazer outros felizes ou o orgulho de nos sentirmos boas pessoas.
São muitas as motivações para dar e muitas vezes nada têm de nobre: pode ser para humilhar, para criar uma dívida moral, para exibir ao mundo uma certa imagem. Também há, evidentemente, quem o faça pelos motivos mais bonitos que se podem imaginar e com a melhor das intenções. A humanidade não é toda má, nem toda boa. Na verdade, nenhum de nós é todo bem ou todo mal.
Mas infelizmente com a experiência de vida e com todas as notícias que nos entram pela casa dentro, constantemente, torna-se quase impossível não questionar as motivações de quem dá. Parece quase uma quimera ou utopia, um ideal a atingir num espaço onde habitam unicórnios e chovem flores.
Por outro lado, há um dar que é genuíno e que todos podemos receber. A mim deram-me muito, muitas pessoas. Recebi muito do Albert Camus, do John Coltrane, do Edward Hopper, da Maria Callas, do Leonardo da Vinci, da Maya Angelou, do Snoopy, de todos os impressionistas, de vários filósofos, de inúmeros artistas. E podia ficar aqui horas a debitar tudo o que recebi e de quem. Deu-me também muito a família, aquela com que cresci e a que tenho agora. E algumas amizades. Ah, e a minha gata. Deram e dão, que eu sou uma pessoa de sorte. E recebi da vida, que nos foi dada e que, a cada suspiro da nossa existência, nos continua a dar. E que fazer então com essas dádivas?
Talvez seja tempo de inverter as coisas: receber e dar. Receber para saber dar. Saber receber para depois podermos dar.
Consta que Einstein terá dito que “a mente é como um paraquedas... só funciona se a temos aberta”. Saibamos então receber de mente aberta e de coração aberto tudo o que está ao nosso dispôr e retirar daí as devidas conclusões, práticas, afetivas, profundas ou superficiais. Para sabermos dar e para sabermos receber, temos que estar dispostos a tal. Nem sempre é fácil, nem sempre entendemos o que nos dão e nem sempre o que recebemos nos parece o que precisamos ou o que queremos. O ser humano é frágil e tem medo de muitas coisas, de mudanças, de desafios, de outras ideias e conceitos. E é destes medos que se alimenta o preconceito, a inveja, as más intenções, o radicalismo.
Eu, se tivesse poderes mágicos, gostava de dar a todos a intrepidez necessária para nada temerem e para se poderem abrir. Esse sim, seria um espantoso mundo novo no qual dar e receber seriam atos maravilhosos.
Até esse dia, tentemos aproveitar sempre tudo o que podemos receber e saibamos dar aos outros o melhor de nós mesmos.
Laura Palmer