Uma forma matreira de ser (Dar e receber – 11)
Foto: Hand – Gerd Altmann
Sempre teve a convicção que dar era uma forma matreira para receber o que desejava. Cresceu rodeado de atenção, carinhos e mimos que o foram ensinando a receber, a receber, a receber. Por vezes, esse círculo ampliava-se para além dos pais, avós, tios e primos. Sentia que os pais deviam ser muito importantes, ele próprio foi acreditando que também o era. Tal era a reverência com que todos o abordavam, lhe ofereciam carícias, sorrisos, prendas, muitas prendas, prendas e mais prendas. E ia aceitando com naturalidade. Nada tinha que fazer, parece que todos adivinhavam os seus desejos, mesmo sem ele perceber que os tinha. Raramente o incitavam: “- Então, o que se diz?” E ele lá respondia com um sorriso, disfarçando-se tímido e assustado (tinha descoberto que incrementava o receber). Às vezes, quando sentia que poderia mais ganhar, lá lhe saía um esganiçado obrigado.
Tornou-se um adulto sedutor, um astuto manipulador, distribuindo singelas dádivas, matreiramente estratégicas para conseguir os seus fins. Vivia as relações posicionando-se sempre no seu lugar de recetor, conduzindo astuciosamente os outros aos seus papéis de dador. Nas relações amorosas, atuava ardilosamente, reservando ao seu par o privilégio de o amar. E ele deixava-se ser amado.
Inesperadamente, a sua vida perfeita foi brutalmente abalroada pela doce e assertiva Flor. Esta forte mulher que se respeitava e do mesmo modo respeitava os outros, trouxe-lhe dolorosos e apaixonantes desafios. Foram longos meses de aprendizagens com genuíno amor, banhadas a mel e a fel, num vaivém sinuoso de fluxos entre dar e receber.
Tayhta Visinho