Limites (Responsabilidade – 17)
Foto: Rest – Hans Braxmeier
Começo por dizer… melhor, por declarar que já não aguento mais! Cheguei ao limite… melhor dizendo, sinto estar a chegar bem perto do limite e por isso é melhor fazer qualquer coisa que o evite, qualquer coisa que consiga parar-me antes da linha vermelha, do precipício que seria perde o controlo.
Estou cansado de ser responsável e não o quero ser mais. Eu sei que ser responsável é a atitude pessoal correta, é a forma conveniente de estar em sociedade, de estar bem com o mundo. Mas, como tudo na vida, também a responsabilidade tem um lado bom e um lado mau. E o lado mau, estou a vivê-lo agora, com dor no espírito e no corpo. Conseguirei ser, tornar-me irresponsável? Penso que sim, a tudo nos habituamos e é sempre mais fácil seguir processos de degradação do que de progresso; estes exigem de nós muito esforço. Há no ser humano uma tendência natural para a degradação; se nada fizermos, degradamo-nos, sem esforço. Para o progresso temos de fazer esforço. E eu não quero esforçar-me mais.
Quero dizer sempre sim e praticar sempre o não.
Quero chegar sempre tarde, cada vez mais tarde, até não chegar.
Quero comprometer-me e falhar, sempre, continuamente, até que nenhum compromisso me seja pedido, até que ninguém confie em mim, até não ter qualquer capital de confiança.
Quero começar muitas coisas, mas nunca acabar nenhuma, rigorosamente nenhuma.
Quero dizer o contrário do que penso.
Quero dizer que faço não importa o quê, pois tenho a certeza de que nada farei.
Quero não olhar, nem atentar, nem me preocupar com ninguém, seja ele quem for.
Quero viver sem preocupações, sem pagar contas, apenas como o instante me suscita que viva.
Quero viver como se não existisse mais ninguém e não houvesse amanhã.
Quero ficar deitado até ser insuportável e só então, levantar-me.
Quero caminhar, só por caminhar, até o corpo cair de cansaço.
Quero olhar o mar até enjoar e só então olhar para terra.
Quero olhar a terra até ser insuportável e então repousar na escuridão dos olhos fechados.
Quero olhar o céu quando regressar a vontade da luz.
Quero não querer, apenas reagir.
Quero ser como tantos que conheço que não querem saber.
Quero não ir mais atrás, suprir as faltas dos outros.
Quero ser tanto-me-dá.
Quero ser não-me-importa-o-quê.
Quero usar tudo como desculpa para fazer nada e ser nada.
Quero deleitar-me com o nada.
Quero ser irresponsável.
Fernando Couto