Permitam que (não) me apresente (Eu – 10)
- Indecisa, inflexível, incompreendida, inconstante, incompreensível, impulsiva, indeterminada. Eu não sei bem… Uma imensidão de “in”. Que se acabem os “in”.
Paro de escrever. Leio o que escrevi. O que leio não é bem o que escrevi, ou o que queria escrever. Eu sou tu? Tu és eu?
- “Uma pessoa nunca é só uma pessoa mas a tal pequena multidão mais ou menos desarrumada”.
Eu: o meu próprio mundo onde ninguém entra.
- Cada um, uma espécie de mundo: eu não vejo o que os teus olhos veem, ignoro o que sabes, não sofro a tua dor, não sou a tua pele.
- A nossa pele confundiu-se alguma vez? Chego a ti de que forma? Construo pontes, passagens secretas, caminhos subterrâneos? É assim que ligo o meu mundo ao mundo dos outros? Ao teu mundo? Sei eu relacionar-me com os outros? Acho que vivo num mundo só meu. Intransponível. Acabaram-se os “in”. Sou feita de “in”.
Contigo, o ritmo abrandava, desacelerava. A leveza era o bem mais precioso.
- Era eu um ser leve como uma pena?
Percebi que o teu mundo era tão inóspito quanto o meu. Também tu não sabias as respostas, tão pouco sabias fazer as perguntas.
- Ficamos a meio do caminho? Conhecemo-nos, soubemos quem era o outro?
- Só conheceste o meu “eu” virtual, não o “eu” real. Quem é o “eu” real? Não sabes, pois não?
- Não.
- Nem eu! O eu atrás de um ecrã é aquele mais fácil de conhecer, de se dar a conhecer.
- Sim, ficamos a meio do caminho.
Onde é que ficaram os gestos, as expressões, o tom da tua e da minha voz?
- Pelo caminho. Não somos a solução um do outro.
Não sei se foste tu que me viste a mim ou se fui eu que te vi a ti.
- Sou pouco e pouco sei. Não penso muito ou penso demasiado. Dá-me respostas.
- Não consigo. Andámos os dois à deriva.
- És tu quem eu esperava que me dissesse quem eu era, na diversidade de todas as outras que me escondem: o ser mais leve.
- Não somos a solução um do outro.
As relações entre as pessoas são labirintos: fáceis de entrar, difíceis de sair.
- Entramos num jogo. Quisemos jogá-lo: dois jogadores natos.
- O jogo da descoberta de quem eu sou, de quem tu és?
- Um jogo perigoso. Sempre perigoso. Caso contrário, não valeria a pena. Caso contrário, não teríamos lançado jogada após jogada.
- As meias palavras.
- Um jogo onde não podes voltar atrás. Recomeças pelo começo.
- Vezes sem conta. Demasiadas vezes. Até não poder mais recomeçar.
- Um jogo que não dominamos, cujas regras não conhecemos. Jogos sem saída. Jogos por acabar.
- O nosso já acabou? Quando nos encontramos para nos conhecermos?
Escrevi. Li o que escrevi. O que li não é o que escrevi ou o que queria escrever. Continuo sem saber as respostas. Fiz eu bem as perguntas?
Sandra Sousa