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Mil Razões...

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

30
Dez15

O homem com medo de não conseguir amar (Medo – 20)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Scenic Park – Mann Ngohayon

 

e os barcos passam a ser um e um

onde uma vez quiseram quase ser dois

e a tempestade deixa o mar encrespado

por isso cuidado

mesmo muito cuidado

que é frágil o pano

que veste as velas do desengano

que nos empurra em novo oceano

frágil e resistente ao mesmo tempo

 

Mudemos de assunto; Sérgio Godinho

 

 

- Desculpa interromper mas necessito de fazer um ponto de situação, para não me perder – se é que não estou já perdido.

- Está bem.

- Afirmas ser um homem que reconhece as emoções, a sua importância e valor, entre elas, o medo. Afirmas saber como passar das emoções, trabalhando-as, aos sentimentos. Afirmas que ao longo da tua vida apenas tens tido um medo, sentimento maduro, trabalhado – o do sofrimento físico por força duma doença grave e prolongada. Mas de há algum tempo a esta parte tens um novo e inesperado medo, que tem vindo a crescer e a consolidar-se: o medo de não conseguires amar. Como sabes, já vi e ouvi muita coisa no que a emoções e sentimentos respeita e, nesse campo, encontro medo da solidão, medo de não ser amado, por vezes medo do abandono. O medo de não conseguir amar é, para mim, uma novidade e, talvez por isso, não o entendo. É isto ou perdi-me pelo caminho?

- Sim, meu caro, é isso.

- Mas de onde vem, então, esse medo de não conseguires amar? E como é ele?

- Vem de amar, com toda a energia, com tudo o que amar implica, contemplar, desejar, acarinhar, mimar, proteger, honrar, elogiar, valorizar, estimular, incentivar, ajudar, partilhar, conciliar, perdoar, agradecer, com entrega, com convicção, com respeito, etc., mas sentir não ser o amado, não ser o amante nem ser o desejado, ser colocado num lugar subalterno no qual se reconhece um valor de segunda escolha, nunca suficiente e nunca justo. Não ser estimulado, nem incentivado, a quem não se agradece, com o qual há coisas que não podem ser partilhadas. E apesar disso, continuar a amar, amar sempre, por força do impulso e da razão, combinação que carateriza o amor. Recomeçar, sempre. Mas ir perdendo energia, progressiva e irremediavelmente, que nunca será recuperada, que nenhum processo comunicacional conseguirá resgatar. E é nesta perda progressiva de energia que o medo surge, sorrateiro, ganhando espaço. Pode chegar o dia em que não consiga mais amar. E essa ideia é terrível. Poderei ser abandonado, conseguindo recuperar ou não, mas disso não sinto medo. Poderei ficar só e daí resultar dor, mas sempre exercitei a solidão, sempre desenvolvi a capacidade de estar apenas comigo, daí que disso não sinto medo. Poderei não ser amado – aliás, não sei se o sou, mas não faço disso uma exigência e, talvez por isso, não sinto medo. Mas tenho medo que chegue um dia em que não consiga amar. O que serei eu nesse dia e nos que se lhe seguirão? O que valerá, então, a minha vida, a minha existência?

- Sim, agora entendo… E não sei o que replicar.

E em silêncio continuaram, em passo sereno, ao longo do parque.

 

Fernando Couto

 

28
Dez15

Saber viver com o medo (Medo – 19)

Publicado por Mil Razões...

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 Foto: Cry – George Hodan

 

Escrever um artigo sobre o medo é sempre muito complexo, atenta a singularidade do ser humano e a imensidade de fatores psicológicos que nele interferem.

O medo nasce connosco e pode ser aterrador nos primeiros meses de vida para a criança recém-nascida. Para ela nada é relativo, visto não ser capaz de entender que o leite desejado vai chegar dali a pouco e desespera-se, por isso, diante da perspetiva de lhe faltar esse alimento. O seu medo exprime-se pelo grito do seu instinto de sobrevivência.

Naturalmente que, com o passar do tempo, esses medos primitivos vão dando lugar, inevitavelmente a outros, condicionando o ser humano para o bem e para o mal.

Não raras vezes chega a ser utilizado como arma de pressão, limitando direitos e impondo condições inaceitáveis à vivência do ser humano, como acontece, nomeadamente, em regimes ditatoriais e com as ações terroristas.

O medo faz parte integrante do caráter de uma pessoa ou de um grupo social, pelo que, frequentemente, se torna necessário adotar algumas terapias para saber lidar com ele, aprender a não temê-lo, sobretudo quando degenera em obsessão. Não podemos deixar-nos vencer pelo medo, é preciso superá-lo de modo a que não nos prive da razão de viver.

 

Qualquer comunidade social não pode alhear-se da problemática do medo, hoje tão comum e assumindo várias formas nas sociedades atuais, que vivem sob o paradigma da competição, da escassez e do consumo. Sob esse paradigma somos compelidos a ter medo de tudo: medo de não ser amado, medo de não ser aceite, medo de ser rejeitado, medo de não corresponder às expetativas e, sobretudo, medo da solidão.

Todas as pessoas possuem um sentimento de medo, por ser inato ao ser humano, podendo constituir um problema se não houver atitudes que ajudem a ultrapassar as dificuldades para que possa ser vencido. O medo é um estado de progressiva insegurança e angústia, de impotência e inibição ante a impressão iminente do que poderá acontecer e que se pretende evitar.

Segundo alguns especialistas, o ser humano nasce com dois medos: o medo de cair e o medo do barulho, a que se pode acrescentar o medo de lhe faltar alimento, já que está intrinsecamente ligado à sua autopreservação. Todos os outros são medos adquiridos e como tais devemos afastá-los do nosso subconsciente.

 

Mas afinal o que é o medo? Na sua definição mais simples encontra-se nos dicionários: “sentimento de inquietação que se sente com a ideia de um perigo real ou aparente”. Pode assim traduzir-se tal sentimento na angústia que sente um ser humano perante o risco de uma possível ameaça.

Sabe-se que, pela experiência da vida, o medo está por trás dos fracassos, das doenças e das relações sociais desagradáveis. Muitas pessoas têm medo do passado, do futuro, da velhice, da solidão, da loucura e da morte. Chegam a ter medo do próprio medo, o que reflete, nessas situações, um estado de alma doentio que carece de adequado tratamento médico. Segundo José Luís Peixoto, na sua temática sobre o medo, “pior medo é o medo de nós próprios”. É este medo que assusta, apavora, paralisa, impede e angustia, que obriga as pessoas a recorrer aos médicos.

Podemos considerar o medo normal como bom, manifestamente o seu lado positivo, quando refreia, contém e limita os nossos ímpetos emocionais, numa palavra: o que se domina; o anormal será considerado mau e destrutivo, quando exacerbado e desproporcional, que escapa ao nosso controle. Permitir e alimentar constantemente os pensamentos de medo acarreta o medo anormal, obsessões e complexos. Daí a necessidade de os afastar, orientando o subconsciente para algo mais agradável da vida e salutar para a mente.

Não deixemos nunca que o medo tome conta de nós, aprendendo com persistência, coragem e paciência a não temê-lo, sob pena de nos paralisar e de nos roubar os sonhos que comandam a nossa vida.

Saibamos viver com o medo.

 

José Azevedo

 

25
Dez15

O pêndulo de Foucault (Medo – 18)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Foucault's Pendulum – Andrew Schmidt

 

Dos medos, de todos eles, já nestas páginas se falou muito, e muito bem. Eu tive e tenho muitos medos que nunca se concretizaram e, muito provavelmente, nunca se concretizarão; outros, pela certa, sim, lá virão a plasmar-se em realidade, na minha realidade. Mas os verdadeiros medos, os piores, os que já me passaram por cima e me viraram do avesso e quase me levaram a melhor, bem como os que aí hão de ainda vir... nunca tenho imaginação à sua altura.

O medo é uma faca de dois gumes, ambos bem afiados: com ele paralisamos, sem ele morremos. Ou por fora, ou por dentro, ou das duas maneiras.

É, por exemplo, por isso que há terrorismo, para nos paralisar e aturdir, para nos tirar rumos e objetividades. Para nos fazer odiar quem estiver mais a jeito. Para nos impedir de evoluir, de expandir a mente, de sermos inclusivos, de termos no coração sempre o calor do amor, puro e desinteressado. De nos guiarmos por esse coração, mesmo correndo riscos.

O medo impede-nos de ser a melhor versão possível de nós próprios.

Mas podemos, ousamos viver sem medo? O medo também nos salva. Salvou-nos nas cavernas de sermos comidos por animais maiores. Hoje, em sentido normalmente não tão literal, faz a mesma coisa. Salva-nos de esquecermos os nossos amores; salva-nos de esquecermos os nossos objetivos. Dá-nos rumo e chão e pode ser um bom companheiro de viagem desde que devidamente domesticado.

 

Jean Bernard Foucault pendurou um longo e pesado pêndulo no Panthéon, em Paris, no já longínquo ano de 1851. Destinava-se a comprovar, através do seu movimento de oscilação, o movimento de rotação da Terra em torno de seu próprio eixo.

A expetativa era que o pêndulo oscilasse em um movimento retilíneo em um único plano vertical. No entanto, o que foi observado, foi que a oscilação do pêndulo parecia girar com o tempo, mudando a sua direção em relação a esse plano considerado. O medo é assim, um pêndulo a oscilar sobre as nossas vidas.

Quando o pêndulo é colocado em movimento, pelas Leis de Newton, a oscilação depende somente da força gravitacional, da tração do fio e da resistência do ar, que faz diminuir a amplitude das oscilações com o passar do tempo. Nenhuma outra força age para explicar a mudança de direção da oscilação do pêndulo. Em Paris, a rotação é medida em cerca de 10° por hora, no sentido horário.

Mas, se não há nenhuma força atuando no pêndulo para que mude a direção da oscilação, por que o pêndulo gira? Na verdade, o pêndulo não gira. O plano de oscilação do pêndulo permanece constante. Nós, os observadores, temos a impressão de que o pêndulo gira, por que estamos “presos” à Terra.

Nós, cada um de nós, tem pois o seu próprio pêndulo do medo a girar tanto tempo quanto dure a nossa existência. O truque é sabermos que temos uma espécie de pêndulo de Foucault pessoal, cuja rotação depende da nossa rotação e só existe porque nós existimos. O nosso medo é pois algo que devemos amar e respeitar, mas de longe. E nunca, mas mesmo nunca, colocarmo-nos na sua trajetória. É mais um “compagnon de route”, o nosso querido grilinho falante.

 

Laura Palmer

 

23
Dez15

A dispersão do medo (Medo – 17)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Meditation By The Lake - Nat Sakunworarat

 

O medo é um involuntário estado de espírito, temporário ou definitivo, que antecede a realização de um evento, ou o resultado astronómico dali obtido respetivamente. Por si, o medo é também um evento antecedente de um outro, o seu perfil estranho é ocorrer num lapso de tempo que separa dois estados emocionais sucessivos designadamente a expetativa e o resultado real que se obtém.

Cada pessoa é uma amostra de toda uma sociedade onde se insere, a sua complexa e variada natureza corporiza as pessoas e vivências encarnadas numa única, e o medo afigura-se como a vertente emocional das pessoas, o lado romântico e sonhador, a ânsia da conquista de um resultado na forma de uma vitória ou derrota.

Eis, em sentido ilustrativo, como se descreve o medo vivido tipicamente por um entusiasta: o foco no objeto conjugado com a superatenção no objetivo, aumentam a energia corporal que desperta a atividade cerebral, consequentemente, a ansiedade impede a continuidade do sono sossegado por ter chegado, finalmente, a hora de entrar em ação, para o posterior alívio da alma.

Duas perspetivas do medo são distintas, salientes e identificáveis para saber como lidar, se é medo de agir ou medo da consequência que advém do ato. Na primeira situação, a pessoa está mais concentrada na ação, se irá resultar ou falhar, e a segunda, no impacto da ação face aos seus objetivos, se irá ou não satisfazer as suas necessidades.

 

Contudo, desenvolver a audácia necessária para pôr em prática a ação é muitas das vezes um ato de coragem, a superação de um conflito individual que pode desencadear em revolução, regra geral, percurso para o desenvolvimento humano e rompimento dos ciclos viciosos. O mecanismo catalisador da transformação requerer, para além da afinação da capacidade produtiva (saber fazer), o desenvolvimento da criatividade e inovação, alguma frieza e encarar os factos o mais cedo possível para ganhar tempo de reação, aprendizagem e assimilação.

Dito isto, a forma mais económica de vencer e diluir o medo é imposta por uma adequada e atempada preparação antes da ocorrência do evento, um exercício diário e sistemático de superação das barreiras e limitações que derivam e são alimentadas pelas especulações, lições contadas por outros autores e experiências passadas por este.

 

António Sendi

 

21
Dez15

Medo a partir de uma foto (Medo – 16)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Monkey Training for a Circus - Yongzhi Chu

 

Há poucos dias vi numa revista as fotos vencedoras do World Press Photo. Entre várias, deparei-me com uma que me perturbou à primeira vista por ser, para mim, o retrato do medo, do pavor.

A expressão na cara do macaco é perturbadora, porque vemos o medo estampado na face e porque o vemos indefeso, encurralado, atado, sem poder fugir. A sua expressão assustada parece pedir clemência, parece dizer “Por favor, não!”.

O tratador aproxima-se dele, armado com uma corda, em posição de quem o vai castigar sem piedade. O tratador que acorrenta o pescoço do macaco ao pescoço da bicicleta, que prende o corpo do macaco ao corpo da bicicleta com o objetivo de tornar os dois um corpo só, para exibir em sintonia, no circo.

Não se vê a cara do tratador. É alguém grande, maior, poderoso, que usa uma arma para infligir o medo. A cara do macaco está claramente visível. Alguém pequeno, mais pequeno, fraco, indefeso, preso e amedrontado. O tratador é desconhecido, o macaco somos todos nós. Esta expressão é universal, humana ou animal. Perante algo que nos assusta é assim que reagimos, vê-se na cara, no corpo, não há como esconder.

Por isso mesmo o medo é uma arma poderosíssima – quem sabe usá-la, usa-a sem piedade e quanto mais medo vê no outro, mais poderoso fica; quem é vítima não consegue ocultar, fica encurralado, encolhido, preso e frágil. Pelo menos enquanto não se conseguir soltar.

O macaco já está solto, pois, felizmente, criaram-se alternativas ao circo com animais. Mas será que algum dia vai soltar o medo da sua memória?

 

Patrícia Leitão

 

18
Dez15

Medos soltos (Medo – 15)

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Foto: Halloween Vampire - George Hodan

 

Tudo começa quando reparamos que, no meio do silêncio escuro do quarto, há a possibilidade de haver monstros debaixo da cama. Ou então, de haver bandidos a observar-nos e à espera de uma oportunidade para nos atacar. Por vezes ouvimos passos, outras vezes vemos vultos. Mais tarde, esses monstros tornar-se-ão bem mais reais e esconder-se-ão em sítios bem menos prováveis.

Assim nasce uma das ferramentas mais importantes na garantia da nossa sobrevivência: o medo.

 

De facto, se não tivéssemos medo de nada, se não nos sentíssemos ameaçados, nunca teríamos a suficiente motivação para agirmos. Não basta termos objetivos e empenharmos esforços em alcançá-los. É preciso também fugir, sabermos o que não queremos, de todo, para nós, ou para os nossos e empenharmo-nos nessa fuga.

Mas uma coisa é o medo adaptativo, outra é o medo inútil. E deste está o mundo cheio. Por exemplo, quando os pais educam os seus filhos usando de um estilo permissivo, aceitando as falhas e desvalorizando as consequências disciplinares que delas advêm, estão a confundir tolerância com o medo de não serem amados e respeitados pelos filhos. Quando paira sobre nós a constante ameaça de um ataque terrorista eminente, estamos a favorecer um clima de crescente desconfiança sobre tudo aquilo que é diferente, como se a diferença fosse sempre (ou, pelo menos, cada vez mais) perigosa. Quando não dizemos o que sentimos, julgando que a liberdade de expressão não é, afinal, lá grande liberdade, estamos a criar a oportunidade para sermos mais e mais manipulados. Quando nos agarramos com unhas e dentes ao mais miserável dos empregos como se de uma tábua de salvação se tratasse, numa economia debilitada, estamos a validar a ideia de que fazemos parte dessa miséria.

 

Vivemos tempos de medo, uns genuínos, porque fazem parte da sobrevivência diária, outros implantados, porque dão jeito à organização das massas. Vivemos hoje assim, mas, se virmos bem, desde que as pessoas se organizaram em sociedades, vivemos sempre com medo. O medo é uma consequência da ansiedade de perdermos algo. E só não temos nada a perder quando estamos sozinhos. Porque este é o mais temível dos medos. A solidão é uma fera que nos come por dentro, que nos transforma em bichos selvagens. E uma vez bicho, não há medo que nos afete.

 

Joel Cunha

 

16
Dez15

Medo e ignorância passeiam de mãos dadas (Medo – 14)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Pomnicek V Lese – Jana Illnerová

 

You may say I’m a dreamer

But I’m not the only one

I hope someday you’ll join us

And the world will live as one

 

Imagine; John Lennon

 

 

John Lennon cantava pedindo aos povos que imaginassem um mundo sem fronteiras, sem motivos para matar ou morrer, um mundo sem ganância e sem fome, onde cada um pudesse viver o presente e em paz. Ambicionava uma sociedade mais tolerante e compreensiva, sem medos, uma sociedade que aceitasse as diferenças de cada um. Sonhava com uma humanidade em que todos eram irmãos. Cada humano, em vez de se assustar com o desconhecido, sentir medo e aversão, segregar, atacar ou destruir um seu irmão diferente, que se aproximasse para conhecer, informar-se e aprender sobre essas diferenças.

O medo é uma reação emotiva dos organismos vivos ao desconhecido de forma a manter e perpetuar a sobrevivência das espécies. Nos seres humanos, acontece o mesmo, reagimos com a emoção medo a tudo o que nos é desconhecido, diferente, e que pensamos ser ameaçador, seja uma ameaça real ou imaginária. O medo surge quando achamos que estamos perante situações de perigo. Também há medos irracionais, não justificáveis, medos tão intensos, conhecidos por fobias, que infernizam os quotidianos daqueles que os sentem.

 

Nesta era da globalização, esperava-se que a humanidade estivesse mais evoluída. Uma humanidade mais inclusiva, informada, culta e tolerante, todavia, nesta aldeia global observa-se que, por vezes, os recursos tecnológicos são usados ao serviço de poderes de vária ordem, para acirrar os medos e alimentar ódios.

O medo e a ignorância passeiam-se de mãos dadas. O medo do desconhecido, daquilo que se ignora, gera comportamentos de segregação, desumanidade, até de crueldade, racismo e xenofobia em todos os que não são iguais, que não se comportam de acordo com o formatado.

É a ignorância e a falta de humildade para a admitir, que está a carburar este recente movimento retrógrado da humanidade. Cabe a cada um mudar a sua atitude perante o medo. Observando-o, explorando-o para o conhecer até ele se desvanecer.

A sociedade evoluída e culta, vive isenta de medos, aceita e respeita a diversidade: as diferentes etnias, culturas, raças, rituais, religiões, orientações sexuais, estruturas familiares, pessoas com limitações ou caraterísticas físicas diferentes.

 

E sim, ele não era o único sonhador a acreditar que é possível uma humanidade mais fraterna, sem medos, com todos os povos a viverem em paz e harmonia.

 

Tayhta Visinho

 

14
Dez15

Medo mudo (Medo - 13)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: I Can Not Speak – George Hodan

 

Medo que grita sem voz.

Medo, medo, medo.

O medo em silêncio é o que mais destrói e corrói.

Medo de verbalizar o medo que o coração já sente e que o corpo sofre.

Medo que não sai da cabeça. Que mói e que dói.

A angústia, a dúvida, a incerteza que é já uma certeza, mas que enquanto não ouvimos na voz parece doer menos.

Ilusão. Engano. Mentira.

Está tudo lá e ela sabe disso. Só finge não saber.

Medo de assumir, medo de se ouvir. Ouvir o que toda ela já sabe mas a quem o medo impede de falar, porque não quer acreditar. Porque não pode ser possível. Porque não pode ser verdade. Porque falar é assumir, enfrentar, e no silêncio mora a ilusão de que nada se passa.

Nem à mãe, nem à irmã ou melhor amiga. A ninguém. Guardar, fechar, tentar matar dentro de si o que há muito vive na pele, dos pés à cabeça, de noite e de dia, no sono e sem sono que insiste em não vir.

Falar é morrer de pressa. É confrontar-se. É tornar real o que já o é, mas que finge não ser.

 

Que se fale sempre. Porque morrer devagar e por dentro é matar-se sem morrer.

Já o morrer por fora, gritando de viva voz o medo que dói e a dor que destrói, ajuda ao fim da dor, que com o tempo há de sarar.

E em cada fim há sempre a esperança de um renascer.

 

Joana Pouzada

 

11
Dez15

Viver o que há para viver (Medo – 12)

Publicado por Mil Razões...

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 Foto: Sentiero Nella Neve – Any Bay

 

Hoje o tempo voa, amor

Escorre pelas mãos

Mesmo sem se sentir

 

Não há tempo que volte, amor

Vamos viver tudo o que há pra viver

Vamos nos permitir

 

Tempos Modernos; Lulu Santos

 

 

Ter medo é algo normal e inerente a qualquer ser humano. É um mecanismo de aprendizagem e muito importante, para assegurar a nossa sobrevivência em situações de risco.

Quando crianças, experimentamos o medo do desconhecido e, aos poucos, vamos desvendando as cortinas que cobrem nossos olhos e deixando para trás o medo do escuro, o medo de ficar só, o medo de alguém que nos olha de soslaio, o medo de experimentar...

No entanto, crescer não nos faz deixar de sentir medo. A vida moderna, cada vez mais atribulada, os desafios que temos que vencer diariamente, a violência das grandes cidades, tudo isso nos faz sentir medo e muito.

Mas talvez o medo mais difícil de vencer seja aquele que perturba o nosso juízo todos os dias: o medo de falhar, de não conseguir estar à altura, de não corresponder as expectativas. O medo que habita a nossa mente.

 

A maioria das pessoas sente vergonha em externar suas inquietações e acaba por conviver com esses temores sem se dar conta do quão exaustivo é viver dessa forma. O medo é um sentimento sorrateiro que vai se instalando e crescendo e quando percebemos nos tornamos prisioneiros de nós mesmos. Aos poucos vamos deixando para trás nossos sonhos e desejos e abandonando nossas vidas, por medo. Quantas vezes desistimos de alcançar um objetivo por medo de fracassar? Tentar um novo trabalho, mudar de país, voltar a estudar...

E por nem tentarmos, deixamos a vida passar em paralelo. Muitas vezes julgamos as pessoas que se atiram à vida como privilegiados. Por arriscarem e (às vezes) conseguirem realizar o que nos julgamos incapazes. Mas não podemos esquecer que para ter êxito é preciso arriscar e será que estaríamos dispostos a enfrentar esses mesmos riscos? Certamente essas pessoas também sentem medo, mas fazem para que ele não as paralise.

Não é preciso deixar de ter medo para seguir em frente. Não vamos deixar de sentir medo, nunca. Sentir medo é inerente a experiência de estar vivo. No entanto é preciso ser vigilante e não permitir que seja ele o único a guiar as nossas vidas.

 

Leticia Silva

 

09
Dez15

Receio e medo. Ouvir e pensar. (Medo – 11)

Publicado por Mil Razões...

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 Foto: Sem Nome – Peter Griffin

 

13 de novembro de 2015, uma sexta-feira. Num restaurante no centro da cidade da Maia, encontro-me rodeado de amigos e família que, em poucos minutos, vão-me cantar os parabéns. A mesa está disposta num T grande e eu encontro-me de costas para a televisão. Do nada, algumas expressões transitam. Da alegria e boa-disposição para algo diferente. Rodo cabeça e ombros, permitindo a visão de algo que não compreendi de imediato. Apenas a legenda em rodapé ajudou. A contagem, nesse momento, iria em menos de 20 mortos.

Entre os convivas, a palavra do dia – parabéns, foi sendo substituída por outras. Filhos da puta, terão sido das primeiras. Lembro-me de pensar que, felizmente, tinha feito anos no dia anterior. A minha data de nascimento não ficou marcada para sempre.

 

Nos dias seguintes muitas outras palavras e frases entraram no léxico diário do meu grupo próximo. Isis, terroristas, Paris, foto de perfil do facebook, vítimas, outros países, refugiados, fronteiras, controlo, execuções, perseguições e… medo.

Levantaram-se vozes apaixonadas e geraram-se conversas quentes, principalmente quando se falava de pessoas e migrações.

Eu, por estes dias, sabia que teria de entregar um texto sobre o medo. Evidentemente decidi que o mesmo teria como fundação o 13 de novembro. Hesitei, confesso, de mais. Hesitei tanto que falhei rotundamente a data de entrega do mesmo. Tive medo. Tive medo das minhas opiniões coladas a imagens de corpos. A histórias que foram surgindo logo nas primeiras horas. Histórias de pessoas. Como eu e tu. Pessoas que foram colhidas numa espiral absurda e desumana, de uma guerra que não é delas.

Conclui que, mesmo passados muitos dias, o texto não seria sobre o malogrado dia. Penso que já escrevi, noutro texto para este blogue, que detesto o politicamente correto. E por aqui me fico sobre o tema.

Contudo, sobre o medo não escrevi.

Por mera sorte (porque a expressão ajuda divina não serve evidentemente para este texto), o problema resolveu-se por si. Finda uma auditoria aos meus serviços, sem medo, diga-se, meti-me no carro e dirigi-me a casa. Antena 3 como ruído de fundo e o anúncio de uma música desconhecida, de uma artista conhecida. “Medo do medo”, da Capicua. Ri-me. Aumentei o volume. Prestei atenção. Peço-vos o mesmo.

 

Ouve o que eu te digo,

Vou-te contar um segredo,

É muito lucrativo que o mundo tenha medo,

Medo da gripe,

São mais uns medicamentos,

Vem outra estirpe reforçar os dividendos,

Medo da crise e do crime como já vimos no filme,

Medo de ti e de mim,

Medo dos tempos,

Medo que seja tarde,

Medo que seja cedo e medo de assustar-me se me apontares o dedo,

Medo de cães e de insetos,

Medo da multidão,

Medo do chão e do teto,

Medo da solidão,

Medo de andar de carro,

Medo do avião,

Medo de ficar gordo, velho e sem um tostão,

Medo do olho da rua e do olhar do patrão e medo de morrer mais cedo do que a prestação,

Medo de não ser homem e de não ser jovem,

Medo dos que morrem e medo do não!

Medo de Deus e medo da polícia,

Medo de não ir para o céu e medo da justiça,

Medo do escuro, do novo e do desconhecido,

Medo do caos e do povo e de ficar perdido,

Sozinho,

Sem guito e bem longe do ninho,

Medo do vinho,

Do grito e medo do vizinho,

Medo do fumo,

Do fogo,

Da água do mar,

Medo do fundo do poço,

Do louco e do ar,

Medo do medo,

Medo do medicamento,

Medo do raio,

Do trovão e do tormento,

Medo pelos meus e medo de acidentes,

Medo de judeus, negros, árabes, chineses,

Medo do “eu bem te disse”,

Medo de dizer tolice,

Medo da verdade, da cidade e do apocalipse,

O medo da bancarrota e o medo do abismo,

O medo de abrir a boca e do terrorismo.

Medo da doença,

Das agulhas e dos hospitais,

Medo de abusar,

De ser chato e de pedir demais,

De não sermos normais,

De sermos poucos,

Medo dos roubos dos outros e de sermos loucos,

Medo da rotina e da responsabilidade,

Medo de ficar para tia e medo da idade,

Com isto compro mais cremes e ponho um alarme,

Com isto passo mais cheques e adormeço tarde,

Se não tomar a pastilha,

Se não ligar à família,

Se não tiver um gorila à porta de vigília,

Compro uma arma,

Agarro a mala,

Fecho o condomínio,

Olho por cima do ombro,

Defendo o meu domínio,

Protejo a propriedade que é privada e invade-me a vontade de por grade à volta da realidade, do país e da cidade,

Do meu corpo e identidade,

Da casa e da sociedade,

Família e cara-metade…

Eu tenho tanto medo…

Nós temos tanto medo…

Eu tenho tanto medo…

 

O medo paga a farmácia,

Aceita a vigilância,

O medo paga à mafia pela segurança,

O medo teme de tudo por isso paga o seguro,

Por isso constrói o muro e mantém a distância!

Eles têm medo de que não tenhamos medo.

 

Medo do Medo, Capicua; 2012

 

Rui Duarte

 

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