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Mil Razões...

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

30
Set15

O desafio libelinha (Consciência – 20)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Macro Dragonfly – Petr Kratochvil

 

Abri a caixa esquecida num recanto da sala e descobri a antiga máquina fotográfica com que o pai registava os momentos importantes da família. Peguei nela e rodo a sua objetiva, comecei a focar a sala. A objetiva parou numa pequena foto pendurada na parede. Fiz uma focagem meticulosa e apercebi-me que era uma foto minha, de adolescente. Nunca tinha reparado naquela foto ao longo dos anos. E ela esteve sempre ali, pendurada, à vista de todos. Foi preciso focá-la com a máquina fotográfica para reparar nela e tomar consciência que ela existiu sempre ali.

Intrigou-me como não temos consciência das coisas, das situações que vivemos, apesar de tudo se passar em frente a nós. Olhamos, mas não vemos. Não é um olhar qualquer! É um olhar com atenção, com curiosidade e intenção que nos faz ver, nos faz focar e aí sim, reparamos, vemos e tomamos consciência. Fiquei consciente que para se ter consciência da realidade é preciso olhar para ela com atenção, focar cada detalhe e compreender o significado de cada um deles.

Como tudo seria mais fácil se eu tivesse consciência de todos os momentos da minha vida, consciência de mim, de quem sou, de como sou! Mas para isso eu precisaria de ter sempre o foco virado para mim e para o que se passa à minha volta. Se os meus olhos pudessem rodar e focar para dentro de mim, eu seria conhecedora de todas as transformações que se operam no meu interior. Lembrei-me das libelinhas que têm uma visão de 360º, conseguindo ver tudo o que se passa à sua volta.

Criei para mim o desafio libelinha! Todas as noites, antes de dormir, passei a focar com atenção todos os acontecimentos desse dia, observando-os em detalhe, analisando-os com curiosidade, esforçando-me por compreender o significado de cada acontecimento. Como num ritual diário, passei a observar o que cada acontecimento do dia desencadeava em mim e comecei a ter consciência do que sentia dentro de mim. Com o tempo fui percebendo que me tornei mais confiante e verdadeira comigo mesma. Com o olhar de libelinha, passei a conhecer-me melhor, a ter plena consciência de quem sou, do que sinto e do que quero para mim. Percebi que ser consciente é estar atento, é ter uma atenção focada e observar para compreender.

 

Tayhta Visinho

 

28
Set15

Correção moral (Consciência – 19)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Gun On Ground – Raki Halder

 

- Mata-o! Mata-o, ou serás tu a morrer! Mata-o, traidor! Ele é tão traidor como tu e por isso merece morrer! Se não for ele serás tu, verme miserável! Achas que ele te poupará quando eu lhe colocar a pistola na mão?! Achas que ele continua a ser teu amigo?! – gritou o capitão junto da orelha de M. e, de seguida, pousou-lhe a pistola sobre mão direita, aberta, dorida, ensanguentada, sobre a coxa, exausta.

 

M. conseguiu olhar R. pelas pequenas frestas que dolorosamente abriu por entre as pálpebras inchadas. Olhou R. e imaginou-o um espelho, devolvendo-lhe a provável imagem de si mesmo. Corpo magro de meses sem uma refeição capaz nem um sono tranquilo, dobrado sobre si mesmo, sentado numa cadeira, contorcido, roupas rasgadas e empapadas em sangue, descalço, pele escurecida pelo sangue seco e pela sujidade arrancada ao chão. No lugar da cara uma área tumefacta, disforme, vermelha.

 

O capitão recuou, colou-se à parede junto a um dos soldados que, segurando as armas, preveniam algum imprevisto. Aproveitou o tempo que dera a M. para que decidisse matar ou morrer, para descansar um pouco. Estava há já duas horas ali, a bater-lhes, a torturá-los, a quebrá-los como eles mereciam pela sua condição de vermes, de traidores, de estalinistas. Tentou respirar profundamente, procurou acalmar-se.

 

Pela cabeça de M. passou rápido o filme de uma boa parte da sua vida, aquela maior parte em que ele e R. foram amigos. Desde o primeiro dia de escola, os pais, as borgas, as namoradas, os casamentos, os filhos, a guerra. Sempre a guerra, inevitável, a marcar os tempos, a marcar os homens, como se fosse uma necessidade básica junto com respirar, dormir ou comer. Lutaram juntos contra os alemães. E agora estavam ali, em Goli Otok, porque o marechal Tito resolveu mudar de amizades, decidiu impor-se. Sabia que aquela história só poderia acabar mal, que o capitão faria com que pelo menos um deles morresse. Naqueles meses tinha entendido como era colocada em prática a “correcção moral”: pais a matarem filhos, filhos a matarem pais, irmãos a matarem irmãos, amigos a matarem amigos, como teste ao seu arrependimento, como prova de que tinham sido quebrados. A reeducação consistia em liquidar toda a dignidade e toda a humanidade aos traidores corrigidos. E agora era a vez dele e do seu querido R..

 

O corpo de R. não aguentava mais pancada. O seu ser também não. R. sabia ser bem mais fraco do que M. e pensou o que faria se M. vacilasse, se o capitão fizesse aquilo que disse, se colocasse a pistola na sua mão. Dispararia sobre si próprio, sem hesitações, acabaria com aquela tortura e salvaria o seu querido M., ali e para o resto da sua vida que desejava fosse muito longa e sem culpa. R. sabia que nunca suportaria viver com a culpa de ter matado M., mesmo naquelas circunstâncias, mesmo no limite da sobrevivência. Antes a morte.

 

O capitão fechara os olhos e assim evadira-se daquelas paredes, daqueles muros, daquela ilha maldita. Estava há um mês sem ir a casa, tantos eram os traidores, assim o coronel lho exigia. Estava exausto. Desejou, como nunca acontecera antes, o calor e o perfume dos braços da sua amada F..

 

M. apertou a mão e sentiu o conforto frio do corpo metálico da pistola. Olhou para R. que permanecia imóvel, como se estivesse já morto. Sabia que o seu amigo era mais fraco. Procurou fixar-se nessa diferença. Esta decisão era o exercício mais requintado da tortura que o capitão lhe infligira, o maior desafio à imaginação. O instinto vital impelia M. a disparar sobre R. e assim sobreviver, acreditando que o capitão o deixaria partir já na condição de corrigido moral. Mas como seria o depois? Como viveria o resto dos seus dias corroído pela culpa? E se nada fizesse, permitindo que o capitão invertesse o jogo, como jogaria R.? Ao empurrar para R. a segunda jogada, deixaria ao seu amigo apenas a hipótese de disparar e matá-lo. E então como seria o depois, como lidaria R. com a culpa da sua morte? M. sabia que R. não aguentaria, que sucumbiria destroçado.

 

O capitão regressou lentamente. Abriu os olhos e tudo continuava imóvel como se o tempo tivesse parado.

- Porra para estes sacanas traidores! – ralhou para dentro de si, aproveitando o impulso para se arrancar à parede que sentia reconfortante como uma cama com lençóis de seda. Aproximou-se de M. e gritou:

- Mata-o, sacana! Mata-o, ou morres! Despacha-te! Tenho mais coisas para fazer!

 

T. recebeu, acarinhou e cuidou de M., quando ele, três dias depois, regressou a casa. Amou-o ainda mais do que antes.

 

L. chorou e doeu-se pela perda e pela saudade de R.. Contida a dor, feita a saudade companheira fiel, retomou a sua vida, mas continuou a chorar. Chorava, não por ódio, não por desejo de vingança, mas pela pena que sentia de M. e de T., pela cruz que eles arrastariam por toda a vida. Sabia que M. fizera a escolha mais difícil e estava-lhe agradecida.

 

Desde que M. levantou aquela arma, até ao instante em que partiu, dezasseis anos passados e completamente quebrado pela culpa, da sua boca não saiu uma única palavra.

 

L. chorou e sentiu compaixão. Compaixão pelo destino de M., compaixão pelo instante em que ele fez uma escolha, podendo ter feito outra.

 

T. continuou a amar M..

 

Nota: Texto inspirado em “Anima Mundi” de Susanna Tamaro.

 

Fernando Couto

 

27
Set15

Um sustento para a esperança (Suicídio - 4)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Golden Gate Bridge – Nicolas Raymond

 

O mundo é mudança; a vida é-o também. Talvez chegue o dia em que o nosso espaço pareça tão perfeito que suplicamos em sussurro para que tudo assim permaneça; para que o vento não sopre com demasiada força e para que as corrente marítimas não despertem em fúria – e deste modo em silêncio desejamos que o nosso pequeno universo nunca fuja daquele ténue e frágil equilíbrio. Ora, eu diria que talvez ninguém corra mais perigo do que os que temem a mudança, pois ela existe. Inevitavelmente, a cada dia a terra gira e, tal como cada sistema em harmonia que em nosso redor se move, tal como nós próprios e cada parte do nosso ser, só em dinamismo constante se sustenta em equilíbrio. A constante mudança alimenta o mundo; a constante mudança alimenta a vida.

No entanto, parece que tendemos a só atribuir este excecional valor à mudança quando julgamos que tudo em nossa volta colide e o nosso ânimo e alegria são subtilmente sugados por qualquer força invisível. Desejamos a mudança, mas, porque o mundo então se mostra igual a cada dia, eventualmente desistimos do próprio desejo. Mas a mudança é real e inevitável, e daí brota o conceito de esperança – a faculdade da entrega eterna à busca pela felicidade.

O que é que acontece quando o desespero é tal que a esperança por algo melhor se torna demasiado dolorosa? O que é que acontece quando a esperança morre de todo, quando o mundo não muda e a dor se torna insuportável? O que é que acontece quando a espera por um novo amanhã se mostra vã, quando a vida perde o sentido e se afigura de uma morte presa ao corpo? Há, então, quem desista do sofrimento da luta e decida acabar de vez com tudo. Contudo, uma escolha desesperada não é necessariamente um querer verdadeiro. De todos aqueles que saltam da Golden Gate Bridge, em São Francisco (a ponte mais procurada para tentativas de suicídio em todo o mundo), pouquíssimos sobrevivem. Esses pouquíssimos tendem a dizer-nos, todavia, que se arrependeram do salto no momento em que lançaram o corpo para aquele frio irreversível infinito.

Num romance de Saramago, a certa altura, pode ler-se: “Compreendeu que pela primeira vez na sua vida duvidava do sentido do mundo, e, como quem renuncia a uma última esperança, disse em voz alta, Vou morrer aqui. (…) estas palavras poderiam, sem dor nem lágrimas, abrir-nos, por si sós, a porta por onde se sai do mundo dos vivos, mas o geral dos homens padece de instabilidade emocional, uma alta nuvem o distrai, uma aranha tecendo a sua teia, um cão que persegue uma borboleta, (…) ou algo ainda mais simples, do próprio corpo, como sentir uma comichão na cara e coçá-la, e depois perguntar-se, Em que estava eu a pensar.”

Alguém que viva sob o desespero constante e abafando um grito pela morte poderá não se distrair tão facilmente. Porém, o mundo é vasto e a mente imensamente complexa; haverá certamente algo que suscite ainda que um efémero sorriso ou uma gota de curiosidade em cada um. E se esse algo não estiver à vista, a esperança deverá permanecer, pois a mudança, arrisco-me a dizê-lo, será para sempre inevitável.

De resto, diria que quem experimenta o caminho do suicídio perde o olhar ao valor da própria vida. E se o valor mais alto em nós não passa no fundo de nós próprios, valerá bastante, em prol do outro, pôr o eu num pequeno descanso e ver quem, por ajuda, mudamente apela. Valerá bastante ouvir, pois na sociedade destes dias o tempo para isso foge; valerá escutar e assim abrandar o tempo por alguém. Quem desiste de si próprio poderá sentir que já desapareceu, e então um aceno sem juízo e um momento de atenção plena podem ser a esperança de um mundo, ou mais um sopro numa vida.

 

Isabel Pinto

 

25
Set15

Em desassossego (Consciência – 18)

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Minha alma é uma orquestra oculta; não sei que instrumentos tangem e rangem, cordas e harpas, tímbales e tambores, dentro de mim. Só me conheço como sinfonia.

Fernando Pessoa, Livro do Desassossego

 

A Consciência, é o quê?

Dizem-me que já estive sem ela e deve ser verdade porque há seis dias na minha vida que, para mim, não existem. Ou por outro lado, pelas consequências que tiveram tenho a certeza que infelizmente existiram. Se fosse só pelos relatos, orais e escritos, duvidaria até hoje. Mas não, o meu corpo e a minha mente repetem-me constantemente e implacavelmente que sim, que embora “Eu” não estivesse lá, estava. Depois seguiram-se mais seis dias em que, na maioria das opiniões dos outros, terei continuado sem consciência, porque estados de coma, ainda que induzidos e de sedação profunda, levam-nos daqui para fora.

Diz o magnífico António Damásio, no seu Livro da Consciência, que a consciência é um estado mental em que temos conhecimento da nossa existência e da existência daquilo que nos rodeia. E, se bem o entendi, nem a dormir temos consciência. A consciência, continua Damásio, é o estado mental particular que inclui o conhecimento de que a dita existência ocupa uma certa situação. Antes que alguém adormeça de tédio, perdendo portanto a consciência, vou parar de citar autores brilhantes e de repetir incessantemente a palavra “consciência”, está bem?

 

Com tudo isto queria chegar apenas ao que sinto e ao que penso, depois de um hiato na minha existência (se estamos inconscientes, estamos vivos?). E a esse nível, falhando-me certamente conhecimentos científicos mas com o impulso da minha experiência pessoal, acho que tudo se resume a sabermos que somos.

Se aqui estou hoje a escrever este texto é, seguramente, porque mesmo “em coma”, ou coisa do género, senti sempre que era eu, fosse lá essa pessoa quem fosse. E que havia pessoas que amava e que ainda precisavam de mim; uma delas a sussurrar ao meu ouvido, teimosamente e contra todas as lógicas aplicáveis ao meu corpo e à minha mente, que voltasse, que recuperasse a nossa vida, que estava ali à minha espera. Durante os dias que se seguiram, ignorando a medicina e os maus augúrios que pairavam em atos e palavras, essa pessoa não desistiu. E eu, teimosa e empenhada, sabendo que não estava só, fui voltando. Ainda estou a voltar. Como me disse uma terapeuta, recentemente, o meu corpo agora é como um filme: tem várias sequelas. Eu ri-me a bom rir, não só porque adoro piadas como também só tenho motivos para rir. Estou com a minha família. Perdoem-me o vernáculo, mas sinto que fiz um manguito à Dona Morte.

 

Em conclusão, enquanto soubermos que existimos e que temos motivos para existir, temos consciência. E temos poder. Agora é só usarmos esse poder para espalhar Amor.

Assim à laia de pseudoescritora intelectualoide:

Minha alma é um espaço oculto; não sei que planetas e estrelas o habitam, quantas galáxias nascem e morrem nele, quandos buracos negros domina, quantos novos sóis brilham hoje nele, onde começa ou onde acaba. Só me conheço como universo.

 

Laura Palmer

 

23
Set15

O poder da consciência (Consciência – 17)

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Foto: Ruled Note Paper – Karen Arnold

 

Folha imaculada e completamente branca, luz acesa, obrigação contratual assumida, deadline por cumprir, pressão do tempo que começa a escassear, iminência de incumprimento, risco de sofrer sanção e sentir-se culpado pela inatividade e falta de capacidade de resposta, enfim um misto de sentimentos enchem a alma, assolam o sentimento, invadem a consciência e criam um foco de conflito, de instabilidade entre a emoção e a razão. E agora, como dar a volta a esta passividade para finalmente assumir este desafio conforme tem sido prática? Ou irei assumir a vergonha, a limitação, fraqueza humana, e reconhecer que desta não poderei dar o meu contributo, ainda que seja mais um no meio de tantos outros igualmente bons ou melhores.

Este é mais um daqueles monólogo francos que travamos connosco logo nas primeiras horas da manhã, quando nos encaramos, fazemos a leitura do contexto e não reconhecemos e nem gostamos do que a realidade à volta revela. A pergunta seguinte, disto resultante, é o que fazer para inverter esta situação? Teremos capacidade e coragem para enfrentar a desilusão e dar a volta a esta situação? Poderemos reassumir a nossa postura e imagem habitual sem colocar em causa a nossa popularidade? Não criará um dualismo antagónico na nossa identidade sob o ponto de vista dos outros? Mais profundo ainda, a nossa própria consciência irá nos ilibar, num futuro próximo, desta contenda?

No percurso quotidiano o nosso ser e estar é posto em permanente avaliação, as nossas atitudes e reações salientam a nossa personalidade e solidificam a nossa imagem. Por último, a consciência é que orienta os nossos atos face à posição de equilíbrio que se pretende construir nas relações sociais que mantemos com diversas partes. A aceitação ou negação dos estímulos e ideias que sinalizamos ao mercado são responsáveis pelo estado de satisfação ou insatisfação a nível de progressão nos vários domínios da vida.

Para todas as atividades o compromisso e adesão são elementos fundamentais para um desempenho mínimo, para além da necessária competência, funcionalismo e pofissionalismo. O nível de concentração é a arte ao serviço da atividade, conferindo um toque único e especial, um detalhe acima da média. A repetição da prática de forma automática, escalando a pirâmide motivacional, agudiza a excelência, moldando competências únicas e distintas.

Acima deste nível, integram numa mesma embarcação solicitações diversas sobredoseadas pela tensão envolta, viés humana em copiar os outros e seguir tendências, reduzindo a capacidade de contornar situações adversas que poderiam gerar acidentes de percurso. A este nível, a consciência ativa o manual de boas práticas, a governance encarrega-se da seletividade dos projetos, contrariando a lógica inicial de acumulação para um modelo orientado à distinção e a promover a diferença.

A consciência é assim um ativo poderoso, uma base de dados que afina a fila de espera e padroniza os insumos à entrada. O diálogo com a consciência, através da ativação da autoconsciência, é um exercício recomendado para a monitoria e controlo de desempenho contínuo. A autoavaliação daí resultante catalisa a assumção da crítica e da diferença como elemento que destrói a diferença e constrói o consenso. A perceção sobre a importância do diálogo, o poder de negociação e persuasão, como ferramentas indispensáveis para comunicar, transmitir e transacionar a nossa consciência, são a fonte de poder desta nova era, que transitou em movimento migratório da força física bruta, para o poder de compra, posteriormente para o acesso a informação e agora para o conhecimento.

 

António Sendi

 

21
Set15

[Sub]Consciente (Consciência – 16)

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Foto: Woman – George Hodan

 

Às vezes paro a Vida à tua espera.

Como se a Vida parasse e esperasse por alguém.

Como se tu te apercebesses do tempo que te dedico.

Como se tu parasses dois minutos para lembrar que eu existo.

Como se o meu Mundo fosses tu, que nem chegas a ver-me ou a sentir-me.

Tu giras sobre ti mesmo e eu fico tonta de tanto que giro à tua volta.

E de todas as vezes, no meu íntimo, faz sentido esperar-te. Mesmo quando me empurras ou não me vês.

 

E a Vida que não espera, vai passando.

E com ela, de mãos dadas, vão os outros.

Os que me veem e me sentem.

Os que eu negligencio, porque insisto em esperar-te.

 

Joana Pouzada

 

20
Set15

Um segundo olhar (Suicídio - 3)

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 Foto: Nervous – Steve Linster

 

Foi a última gota de veneno, Antónia não iria tolerar mais ser acusada, minimizada e humilhada… a mãe conseguia sempre realçar os seus piores defeitos. E o pior é que tinha razão, nunca seria grande coisa. Antónia, por altura com vinte anos, sabia-se feia, desinteressante, sem namorado, pior, não era amada, e agora acusada de nem sequer gostar da bebé, sua sobrinha, que ela havia tomado para o seu coração como sua filha. Acusada, mais uma vez, de não valer nada, de ser uma grande falhada, de ser incapaz, e sem grandes perspetivas de futuro. Aquela discussão, não foi mais do que um acumular de mágoa e frustração que já vinha a tornar-se frequente. E o pior de tudo era a solidão, não ter com quem falar, não ter “aquele” ombro, “aquele” amor, saber que no fundo não valia nada… Não, foi mesmo a última vez. E foi assim que decidiu. Sabia exatamente o que fazer e como fazer. Para o diabo com aquela vidinha execrável. Nem o Vale das Sombras podia ser tão mau!

Antes, porém, decidiu escrever duas cartas: à bebé que amava profundamente e em quem tinha depositado tantas esperanças, e àquele homem que havia conhecido cerca de três meses antes e lhe preenchia o pensamento, embora com muitas contrariedades… Decidiu começar por ele.

Antónia como que se apresentou, pensando, insegura, que ele, eventualmente, nem tinha reparado assim tanto nela, começou por dizer que gostaria de o ter conhecido melhor, porque estranhamente, e apesar das diferenças que os separavam e que poderiam ser decisivas, acreditava que ele era uma excelente pessoa. E foi então que se deu o clique… surgiram-lhe no pensamento pequenas conversas, trocas de olhares, lembrou-se da forma carinhosa com que ele a tratava, de todas as vezes que subiram juntos a rua, ela para a paragem do autocarro, ele para o escritório, sempre de braços colados um no outro, como se o calor de um fosse fundamental para o outro… como se tentassem falar-se através dos braços encostados. Antónia pensou, sobretudo, no seu sorriso fácil de olhar azul, nas sua risada alegre, no perfume que anunciava a sua chegada ainda antes de o ver entrar no café, quando o dia finalmente começava. Foi então, nessa carta de despedida que aceitou algo que insistia em negar redondamente: amava-o, apesar da diferença de idades que os separava, e apesar de se achar muito pouco para ele. Amava-o e decidiu ficar, só para ver como seria… e se não resultasse, haveria sempre uma caixa de comprimidos à disposição. E foi assim que decidiu não se suicidar. Não daquela vez. Talvez porque o ímpeto não fosse assim tão forte, ou talvez porque encontrou dentro de si um motivo para viver.

E o desfecho daquele pesadelo não poderia ter corrido melhor: apaixonados como estavam um pelo outro, amaram-se profundamente todos os dias, tiveram as provações inerentes a qualquer casal, a qualquer dois que no todo é um, casaram e edificaram um ninho baseados na tríade que os regeu desde sempre: amor, amizade e companhia. E foram felizes todos os dias.

 

Ana Martins

 

18
Set15

Uma nova consciência coletiva (Consciência – 15)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Face Of The Man – George Hodan

 

Quando me ponho de fora de mim observo, aparvalhado, aquilo que sou. Tornei-me bem diferente daquilo que imaginei. Nem para melhor nem para pior. Apenas diferente. Como quando existe uma projeção e a realidade sai completamente ao lado dessa projeção.

Há momentos na vida em que paramos e fazemos balanços. Fazemos uma espécie de introspeção para tirarmos conclusões sobre a nossa vida e nos sintonizarmos com a nossa identidade. Quem sou eu, afinal? Quem tenho sido? É mesmo este o gajo que quero ser? Serei assim daqui em diante? São perguntas às quais nunca encontro respostas definitivas e fechadas. Vou encontrando algumas, mais referentes a ações do que propriamente a conceitos: “o que fizeste naquela situação não foi ajustado aos teus valores” ou “podias ter cedido naquela conversa, em vez de te teres dedicado imbecilmente a defender o teu orgulho” ou ainda “podias ter parado para ajudar aquele rapaz”…

Por vezes julgo ser duas pessoas: uma que me idealiza e outra que age como que levada por uma onda, dependente do movimento do mar. Porque nem sempre faço aquilo que está certo ou, pelo menos, que está de acordo com aquilo que a minha consciência defende. A primeira é mais livre, projeta-me nas situações e imagina a minha atuação segundo a educação e os valores que recebi; a segunda está envolta numa densa massa de regras competitivas, que me leva a dar primazia à minha posição social, em detrimento parcial (e nunca total) dos tais valores que me formam e me identificam. No fundo, sou a junção de duas consciências que, por vezes, parecem ser mutuamente opostas e exclusivas: uma individual, minha, que atua sempre corretamente no abstrato e hipotético; e outra coletiva, social, que atua em circunstâncias para as quais não estou devidamente preparado e que me leva a tomar comportamentos diferentes daqueles que tomaria se não tivesse que defender o meu estatuto ou os meus interesses (alguns egoístas) junto dos outros.

Quando eu era idealista – adolescente, portanto – não me via a trair os meus princípios em nenhuma circunstância. Eu sou eu em qualquer contexto e tal… Mas depois constatei que a vida não é assim tão transparente, tão preto no branco, tão óbvia, para poder dar-me ao luxo de ser firme e constante. Sou o que sou ao sabor da corrente, não o que quero ser. Sou a minha consciência coletiva. E isso importa-me? Nem por isso, porque vale-me a ideia de que ponho sempre um pouco da minha consciência individual em tudo o que faço, mesmo que não queira, porque também sou a minha consciência individual.

No entanto, as experiências de Solomon Asch (sobre a conformidade ao grupo) e de Stanley Milgram (sobre a obediência), bem como outras teorias que se lhes sucederam como, por exemplo, a de Brad Bushman (sobre a agressividade associada ao narcisismo) ou lhes antecederam, nomeadamente a de Émile Durkheim (sobre o facto social e a consciência coletiva), vieram revelar-me a chocante realidade: a de que vivo na permanente ilusão de que sou o autor do que, afinal, se impõe a mim de fora. Sou autor de coisa nenhuma, nem do meu comportamento, nem mesmo do meu pensamento. Faço parte de um sistema que tem vida própria, que me abriga e me confere proteção. Fui formatado desde a nascença para caber nele, comendo, bebendo, vestindo e falando do modo que me foi imposto, para que hoje mantenha hábitos consonantes com as regras desse sistema. Para me manter dentro dele, fazendo parte deste todo estruturado e coeso, basta que cole a minha opinião e as minhas decisões às da maioria. Assim, face a assuntos fraturantes de interesse nacional ou regional, posso ter uma posição pessoal e outra coletiva, desde que, no final, aja de acordo com a coletiva. Ser-se um bom cidadão nem sempre é fácil.

 

Joel Cunha

 

16
Set15

Consciência do outro (Consciência – 14)

Publicado por Mil Razões...

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Consultei a definição de consciência, em vários sítios e encontrei definições científicas, filosóficas e psicológicas. No entanto, o que me interessa neste momento é a consciência do outro. É saber que o outro existe e é diferente e desconhecido. Mas nem por isso mau e perigoso. Se temos consciência de nós, devemos tentar ter consciência do outro, do que ele sente e pensa, de como ele vê a vida e o mundo à volta, de como ele reage e se comporta.

Não tenho página no Facebook, mas ontem, em conversa com umas amigas, apercebi-me de que andam a circular fotos, vídeos e opiniões por todo esse universo, sobre os refugiados e sobre o mal que essas pessoas vão trazer a todos os países onde chegarem. Nem sempre vejo as notícias, mas quando acontece, o que vejo são centenas de pessoas a fugir de uma realidade atroz, pessoas que deixam tudo para trás, que se arriscam a morrer na travessia por mar, que sujeitam os filhos, pequenos, ao perigo e que falam uma língua incompreensível. Essas pessoas fogem para uma terra que consideram melhor, de liberdade, de oportunidades, de refúgio e de promessas para si, mas acima de tudo para os seus filhos. Além de tudo o que têm de enfrentar, estas pessoas têm de enfrentar o preconceito e a discriminação de quem cá está. Mais uma travessia difícil!

Portanto, o que me ocorre sugerir é fazermos, todos, alguns exercícios de consciência e pormo-nos no lugar dos refugiados, que fogem dum país que já não lhes oferece nada. Podemos imaginar que estamos com dezenas de pessoas no mesmo barco, pequeno, a atravessar o mar. Podemos imaginar que temos um filho, ou uma filha, aterrorizado no nosso colo, a chorar todo o caminho. Podemos imaginar que temos fome e frio e que não sabemos onde vamos chegar, ou se chegaremos. Podemos imaginar chegar a terra e querer comunicar e não sabermos falar a língua e não conseguirmos que ninguém nos entenda. Sim, porque nem todos os refugiados sabem falar inglês. Podemos imaginar que nunca mais veremos a nossa casa e a nossa cidade ou aldeia. Podemos imaginar que chegamos a terra e sentimos alívio e alegria, porque agora estamos a salvo. Podemos imaginar o terror que se sente quando é dito que temos de voltar para lá. Podemos imaginar muita coisa, mas é difícil pormo-nos no lugar deles porque estamos aqui protegidos e a desgraça vemo-la na televisão.

Neste momento, para mim, a voz da consciência deveria falar outra língua e a mão na consciência deveria segurá-la, enquanto a outra mão a prende para não a deixar cair. A consciência do outro que vem até nós e a consciência de que o medo é poderoso. O medo com que os refugiados fogem é o mesmo com que nós os recebemos. Há que ter consciência disso para pararem as histórias, as imagens e os filmes. Há que ter consciência para se sentir um peso nela!

 

Patrícia Leitão

 

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