Espelho meu, espelho meu! (Consciência – 7)
Foto: Woman And Mirror – George Hodan
- Sabes o que me mete confusão?
- Não.
- Que haja tantas pessoas sem espelho em casa.
- Como assim? Andam mal vestidas?
- Antes de mais, andam com máscaras.
- Com máscaras?
- Sim. Máscaras de juízes.
- Juízes?
- Sim, juízes.
- Não estou a perceber nada.
- Então não tens consciência do mundo ao teu redor.
- Claro que tenho consciência do mundo ao meu redor. Porque dizes isso?
- Porque dizes que não vês pessoas mascaradas de juízes.
- Talvez esteja a precisar de óculos.
- Talvez elas precisem. Óculos virados para dentro. Nunca sentiste a necessidade do outro criticar cada opção que tomas? Tenta reparar, na próxima vez que seguires por um caminho que não seja o habitual, para a maioria da população. Repararás como será instantânea a crítica, mascarada de alerta.
- Demasiadas máscaras para mim. Sim, claro que há pessoas que criticam. Mas, às vezes criticam por tudo e por nada.
- E porque achas que o fazem?
- Porque pensam que te dizem o que é correto.
- O que é correto para quem? Para ti ou para elas? Para a tua vida ou para a delas?
- Correto para todos.
- E isso existe? Uma decisão única correta para todos? Afinal somos seres únicos ou máquinas da mesma série?
- Ahahah… És engraçado.
- Pois, piada tem esta mania das pessoas se armarem em juízes, detentoras da verdade absoluta. Salvadores do mundo. Digo-te já que, para começar, para mim não têm consciência alguma de si.
- Não se conhecem a si próprias?
- Não têm espelhos em casa, tal como disse.
- Para olharem para elas próprias?
- Não. Para olharem por elas próprias.
- Como assim?
- Preocupam-se tanto em dar opiniões alheias à sua vida, que se esquecem da sua. Porque é mais fácil olhar para o erro do outro do que para o nosso próprio erro. Porque é sempre mais fácil ter soluções rápidas para os outros, do que para nós próprios. Se sabes sempre o que é o mais correto, se sabes julgar, é porque não tens imperfeições. Porque deténs o correto. Logo se o deténs, aplicá-lo-ás, à partida, a ti próprio. Correto?
- Mas ninguém é perfeito.
- Mesmo? Talvez os juízes mascarados o sejam. Já reparaste no modo como lançam as suas críticas? Tão certeiras. São tão conscientes dos erros que é impossível que cometam algum.
- Oh, estás a gozar comigo. Ninguém é perfeito. Talvez essas pessoas tenham medo de olhar no espelho.
- Oh, agora já compreendes o espelho. Sim. Talvez tenham medo de assumir que falham. E que não há mal nenhum nisso. Que as falhas existem para nos tornarem mais sábios, não para nos fazerem perdedores. Porque, quando falhas, ganhas sempre uma lição de vida. Claro, se tiveres consciência da falha, do teu erro e, sobretudo, do que podes aprender com ele. E quase que aposto que, na maioria, todos temos consciência quando cometemos um erro. E que, antes de qualquer crítica alheia, já nós nos julgámos em tribunal e ouvimos a sentença da nossa mente. Mesmo assim não estamos imunes às críticas alheias. Pena é que, na maioria, essas críticas não sejam para nos tornar melhores. Servem apenas para mascarar a dificuldade de alguém em se olhar no espelho.
- E se olhassem no espelho o que veriam?
- Talvez descobrissem que não têm de usar máscaras. Que não têm de irradiar negatividade em redor. Talvez tomassem autoconsciência e começassem a olhar por elas próprias. Porque não basta olhar para mim, para me tornar mais consciente de quem sou. Tenho de olhar por mim, para querer evoluir do ponto onde me encontro. Se não me quiser cuidar, se não quiser ser mais sábio, não terei interesse nenhum em evoluir. Apenas olhar e fazer de conta de que sou o que a máscara aparenta.
- Hummm… Compreendo o que me dizes.
- Como podes conhecer um lugar se não estás disposto a explorá-lo? Verás apenas o superficial e parecer-te-á que sabes tudo sobre ele, porque é o que está à vista. Como podes conhecer-te, se apenas te olhas, tantas vezes de relance? Se evitas focar em ti e nos teus passos, para olhar na direção dos outros?
- Sim, parece-me difícil.
- Então porque é tão difícil esse autoconhecimento, essa autoconsciência? Talvez porque se perguntares ao espelho – espelho meu, espelho meu, há alguém mais consciente do que eu? - a resposta não será a que esperas. Talvez que, se em vez de tanto julgamento houvesse mais compreensão e abertura de espírito, para dentro e para fora, não precisássemos de tanta orientação alheia para o caminho mais correto a seguir na nossa evolução. Bastava usar a nossa bússola interna.
Cecília Pinto