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Mil Razões...

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

08
Jul15

Limites invisíveis (Marginalização – 4)

Publicado por Mil Razões...

Limitar-TaniaMariaCabrera.jpg

 Foto: Limitar - Tania Maria Cabrera

 

Será errado pensar que há limites para tudo?

Há limites bem definidos num campo de futebol, tal como há na circulação das estradas.

Mas haverá limites para amarmos? E para odiarmos?

Quando devemos considerar que determinado comportamento está a ultrapassar os limites aceitáveis? Depende das regras do grupo em que esse comportamento acontece…

Nas relações pessoais os limites não são linhas estanques. Viver à margem dos limites ditos normais é ser considerado marginal, pois fazemos coisas que saem fora do padrão normal.

Será isto justo?

Por exemplo, quando mudamos de local de residência ou trabalho, com regras sociais e culturais completamente diferentes das que estávamos habituados, o normal é termos comportamento e atitudes que são estranhas para esse novo grupo.

Serem estranhas poderá não ser estar errado, apenas desadequado para a nova realidade.

Claro que isto não é desculpa para roubar, matar, violar, desrespeitar… Mas a realidade é que há pessoas que nascem e crescem nessa realidade e não conseguem, porque pura e simplesmente não sabem pois ninguém lhes ensinou, distinguir o que está correto ou incorreto, eticamente.

Ética… Tão pouco falada mas a base de tudo…

O segredo deverá estar em considerar limites mas saber explicá-los, saber vivê-los.

 

Sónia Abrantes

 

06
Jul15

Pertencer (Marginalização – 3)

Publicado por Mil Razões...

ThinkingWoman-GeorgeHodan.jpg

 Foto: Thinking Woman – George Hodan

 

Ela soube do evento no próprio dia. “Hei!, é verdade, esquecemo-nos de te avisar, mas hoje realiza-se o jantar anual da empresa. E, claro, queremos que vás. É importante cobrir o evento, fotografar, ou fazer um vídeo. Podes levar a tua máquina fotográfica? Encontramo-nos logo!”

Por uns largos instantes, ela ficou sem saber o que dizer. Estava surpresa. Com tudo. O esquecimento, o convite, o propósito do convite.

Ela já sonhara com um evento destes algumas vezes. Com aquele dia em que participaria numa atividade informal, em que pudesse conhecer melhor os colegas, dar-se a conhecer, de forma descontraída. E até poder despir aquela “capa” que usava diariamente para se proteger do desconhecido.

“E logo hoje, que eu tenho dentista!” Não é que o dentista fosse importante. Mas aquilo que concebera para aquele momento não estava a corresponder… naturalmente, sempre a fantasiar aquilo que não existia! Francamente!

Ligou para o dentista e adiou a consulta. E, de mansinho, foi perscrutando os colegas, entusiasmados com o jantar. Um pouco timidamente juntou-se ao grupo feminino com quem partilhava o piso de trabalho. Entre risadas e piadas, recordavam-se os anos anteriores, faziam-se prognósticos para a noite.

Ela tentou saber: “ Então, e como é que vocês costumam fazer? Vão ao cabeleireiro, trocam de roupa ou vão diretas daqui para o restaurante?”

“Cabeleireiro? Não! Isto é muito informal; há pessoas que vão diretamente daqui, outras que vão a casa. Mas ninguém se produz nem nada disso!” – afirmou convicta a mais velha daquele grupo de 3.

“Eu cá vou a casa, mas vou deitar-me no sofá até à hora de sair e nem os sapatos vou trocar!” – lançou decidida uma jovem colega.

Num misto de desilusão e alívio correu para casa quando terminou o dia (mais tarde do que o previsto). E no fim até agradeceu o facto de não ter que se produzir para aquela noite, pois entre os miúdos carentes de afeto, o alarme da casa da vizinha a buzinar-lhe os ouvidos e o marido pouco cooperante, ela apenas teve tempo de trocar de colar (o raio do colar que usara até então estava com a presilha avariada e teimara em cair todo o santo dia!).

Ofegante e de máquina em punho, apressou-se a chegar ao local combinado, já com 15 minutos de atraso. Estacionou com facilidade, tentando identificar algum carro conhecido. Entrou no restaurante a correr, mas a pressa era inútil. Tinha sido a primeira a chegar.

Lentamente, as primeiras colegas foram chegando: salto alto, batom, cabelos apanhados… quase não as reconhecia (também, pudera, só trabalhava na empresa há cerca de 6 meses, o que não é tempo suficiente para conhecer alguém!).

Começou a fotografar, consolando-se com a ideia de que ficaria sempre atrás da objetiva. Ao desfile juntaram-se as colegas de piso, igualmente vestidas para a ocasião. E, ao vê-la, soltaram uma gargalhada.

“Então, trocaste de colar? Isso é o quê, uma coleira que o teu marido te pôs para não ires para muito longe?” Ela sorriu e entrou na brincadeira. E jantou, sem despir a “capa”. E depois do jantar, alinhou nas bebidas. Sim, porque era importante registar o momento! E todos posavam para as fotografias, formando grupinhos, cada qual mais animado que o outro.

À medida que a noite ia avançando, aquela alegria que imaginara para aquele momento teimava em não surgir; a descontração também não. Deu por si a não saber o que dizer, por isso foi ficando calada. Sentiu-se mal por estar ali, como se não pertencesse àquele ambiente.

E quando o grupo decidiu rumar a uma discoteca (Ah!, o que ela ansiava por voltar a uma discoteca, após 3 anos de exílio materno!), ela viu ali a oportunidade para se escapar. O novo destino não apresentava condições para se fazer reportagem fotográfica, por isso ela já não ia fazer falta.

Assim, após uma despedida / desculpa cortês, rumou até casa.

Quem sabe, para o ano…

 

Sandrapep

 

03
Jul15

Velho tonto (Marginalização – 2)

Publicado por Mil Razões...

InterestingFace-PeterGriffin.jpg

Foto: Interesting Face – Peter Griffin

 

Oiço o assobio da cana que sobe. Até onde, não sei, mas não sobe o suficiente para eu ver a explosão de luzinhas e cores no limite da sua existência, denunciada por um enorme estrondo. Começa a descida. Poucos a veem, já não tem brilho e perde-se na noite escura. Na descida cruza-se com outra que sobe até ao ponto em que há de explodir e ter o mesmo fim, não sem antes, tal como a anterior, espantar quem ali acorre para ver este festival de luz e cor.

Sempre me maravilhou esta incandescência colorida. Mas não era um fascínio tranquilo o que sentia quando, de olhos postos no céu, via rebentar um e depois outro e ainda outro, até ao momento em que rebentavam todos e muitos, à uma. O céu cobria-se de fumo, o ar cheirava a pólvora e as explosões ensurdeciam-me. Apesar disso, e ainda que com medo de eventuais canas tresmalhadas levasse as mãos à cabeça numa fingida proteção, não desviava o olhar desta explosão de sensações. Soltava exclamações, elegia o efeito mais bonito e as cores mais atrativas, comparava com anos anteriores e no final, o veredito – este ano sim, valeu a pena! Afirmava.

Só, assisto agora ao barulho lá longe, seguido de um pálido clarão roubado no brilho pelos edifícios à frente da minha janela.

Mas quê, estou a queixar-me? Sou mesmo um velho ingrato, sempre a ter pena de si mesmo. É certo que as pernas já não são o que eram mas com tempo e vontade teria ido ver o fogo mais de perto. Os meus filhos insistiram para que eu fosse com eles mas com receio de os atrapalhar decidi ficar em casa. Hoje, como noutras vezes, leio-lhes no rosto a desilusão mas conformam-se e lá vão divertir-se e viver a vida. Dediquei-lhes a minha, trabalhando para que nada lhes faltasse e educando-os com afeto. É com uma alegria imensurável que colho os frutos desse investimento. Respeitam-me e é genuína a preocupação com o meu bem-estar. Sei muito bem o que querem quando, à vez e a pretexto de nada, me entram pela casa dentro e me arrancam a esta sala fria e a esta quietude a que me entrego, por preguiça ou simplesmente para não povoar de vida os dias que me restam. Levam-me até ao jardim. Sentamo-nos naquele banco onde tantas vezes fingia ler quando na verdade os vigiava para que nas suas brincadeiras nada de mal lhes acontecesse. A minha filha nunca gostou de brincar no jardim, ferrou-a uma abelha e as formigas não lhe davam sossego. Os passeios com ela são até à praia, apanhamos um pouco de sol, andamos na marginal e tomamos café na esplanada.

Conheço-os até na maneira como abrem a porta. O mais velho irrompe casa adentro, vai direito à cozinha, abre o frigorífico e reclama pela falta de alimentos. Acha que me alimento mal e traz-me sempre um miminho. Só depois vem dar- me o beijo que tão bem me sabe. O outro, bem, o outro é um caso muito especial, não gasta as palavras mas o seu olhar e os seus gestos são tão afetuosos que dispensam palavras. Ela é diferente. Entra devagar e só depois de muito suavemente encostar a porta é que me chama: Paizinho, estás em casa? Que bem que me faz ouvir aquela voz de timbre igual ao da mãe!

Amam-me! Não duvido.

Mas, quererão eles saber o que penso e ouvir a minha opinião nos momentos de tomar decisões? Reconhecer-me-ão experiência e saber aproveitável? Duvido.

Dirão que os tempos são outros e os desafios diferentes.

Não sabem que o fazem, se soubessem não quereriam fazê-lo, mas tantas vezes me empurram para um estilo de vida que não é o meu e me retiram a capacidade de deliberação escolhendo por mim e para mim o que devo fazer, comer ou vestir!

Não tenho qualquer préstimo e não sou útil a ninguém. Esta consciência de mim, dói tanto como doeu, há uns meses, o olhar de comiseração que a mulher por quem me apaixonei me devolveu no momento em que lhe declarei o meu afeto.

Lembro-me da lentidão com que me habituei à sua presença quando, todas as tardes, por imposição dos meus filhos, ela aparecia para me tratar da casa. Lembro-me da forma gradual como a sua presença se foi convertendo em desejo. Declarei-me. Lembro-me do assombro e do silêncio insultuoso.

Velho tonto! A querer viver o que já não lhe é devido.

Comecei a desistir da vida. Estou à margem.

 

Cidália Carvalho

 

01
Jul15

Ainda marginalizamos? (Marginalização – 1)

Publicado por Mil Razões...

TerrifiedMan-GeorgeHodan.jpg

 

Foto: Terrified Man - George Hodan

 

A “nau dos loucos” – (Narrenschiff) de que nos fala Michel Foucault é carregada de simbolismo. A água tem a função de levar para outro lado (o louco; o marginalizado), sendo também purificadora. O louco, ao mesmo tempo que é largado ao longo da margem do rio, sendo afastado do olhar dos outros que habitam as cidades, é purificado pela água. A nau aprisiona o louco, que “Fechado no navio, de onde não escapa, …é entregue ao rio de mil braços, ao mar de mil caminhos […]” (Foucault, 2004, p. 12).

A pessoa com doença mental foi, durante muito tempo, encarada como “não doente” e sujeita a tratamentos pouco dignos e violentos em locais pouco associados à saúde e à doença. A confirmar algumas destas afirmações, Antonin Artaud (Artaud, Van Gogh, Floreal, & Marx, 2010), que passa quase dez anos nos hospitais psiquiátricos, na sua Carta aos Diretores de Asilo de Loucos, refere-se aos “asilos” como “cárceres horríveis onde os reclusos fornecem mão-de-obra gratuita e cómoda, e onde a brutalidade é norma […] O hospício de alienados sob o amparo da ciência e da justiça, é comparável aos quarteis, aos cárceres e às penitenciárias” (pp. 10-11) e adianta, ainda, “A credulidade dos povos civilizados, dos especialistas, dos governantes, reveste a psiquiatria de inexplicáveis luzes sobrenaturais” (p. 9). Nos seus escritos estão também expressas a exclusão e a condenação de que foi alvo e, em nome da individualidade, reclamou a liberdade, baseado na injustiça dos “asilos”. Van Gogh (Artaud et al., 2010) também nos ajuda a entender a realidade no século XIX quando, num internamento no manicómio, o designaram como homem indigno de viver em liberdade, referindo “E cá estou, há muitos dias, fechado e aferrolhado no manicómio, com guardas à vista, sem culpa provada, ou sequer provável” (p. 33). Da mesma forma, Sylvio Floreal, não deixou de escrever sobre a sua experiência e sobre a “loucura” e, num texto que intitula A visão do Inferno, ao referir-se ao hospício, diz que “Reinava a calma paradoxal, absurda, incompatível com aquele ambiente” (p. 59). Estes registos, ancorados em figuras das artes e literatura, são relatos na primeira pessoa que nos transportam para uma realidade que perturba, pela intensidade, simplicidade e nitidez da escrita, acompanhada, aqui e ali, de algumas imagens, também elas esclarecedoras da marginalização da pessoa com doença mental ao longo dos tempos. E hoje, ainda marginalizamos?

 

Ermelinda Macedo

 

Pág. 2/2

Porto | Portugal

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