Moeda de duas faces (Profissão – 7)
Assim de repente, talvez facilitando ou simplificando, podemos considerar o domínio do fogo como o princípio desta história. Vem a propósito de o Homem ter passado a lidar com um objetivo de vida, anseios, sonhos e não apenas passar por aqui lutando pela sobrevivência.
Foi assim que pudemos passar a fazer outras coisas além de recolher o que havia ou passava à nossa frente para nos alimentarmos; foi assim que passámos a poder estabilizar num território e potenciar o que a terra dava através do que veio a ser a agricultura; foi assim que começámos a adaptar objetos, a construir ferramentas, para essa agricultura e para que a caça e a pesca fossem mais eficazes e produtivas, a criar condições e meios para levar a nossa produção excedente de uns locais para outros, por terra e mar ou rio, muitíssimo mais tarde, até pelo ar.
Bom, está mesmo a ver-se onde isto levou. Começámos a saber fazer coisas, a criar valor. Não teria sido assim tão de repente, mas a certo ponto começou a haver especializações - uns caçávamos, outros cultivávamos a terra, outros pescávamos; começou a haver produção a mais aqui que seria valorizada além, se a conseguíssemos levar até lá. Então o melhor era trocar o que eu tinha a mais pelo que outros queriam e não tinham. Bom, bom mesmo, era não nos limitarmos à troca direta, mas ter algo que servisse de medida e acumulação de valor para fazer trocas indiretas no modo e no tempo. Podíamos acumular valor, riqueza. Chamemos-lhe moeda - são precisas etiquetas para tudo. Aliás, tal faz parte da chamada especialização. Fomos sendo cada vez mais especialistas nas competências de ocupação que temos, à qual chamamos profissão.
Evolução maravilhosa, extraordinária, singular, em qualquer ser vivo! Lembram-se? Assim podemos ter sonhos, anseios de vida!
No entanto a moeda, sim essa moeda, diz a sabedoria popular, tem sempre duas faces.
O profissional é o que tem competência - saber fazer, mas profissional também pode ser o que chamamos àquele ser frio, pouco ético, um concorrente devastador e desleal.
O profissional com competências e regras adquiridas em tenra idade que proporcionavam um modo de vida, sucedendo muitas vezes ao progenitor no mester, tinha a sua vida solucionada até ao fim. Agora as profissões, a minha especialização atual, pode ser-me inútil, sem valor, num futuro próximo.
Na cara da moeda chamada profissão temos o profissional ético, na coroa o profissional mercenário. A profissão também pode ser uma forma de exercer cidadania, de servir a sociedade.
E quando não podemos ou conseguimos exercer a nossa profissão, uma profissão, o que somos? E podemos ter anseios, sonhar?
Jorge Saraiva