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Mil Razões...

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

06
Ago14

A anuência com a marginalidade (Delinquência – 16)

Publicado por Mil Razões...

 

Podemos encarar o problema da delinquência de duas maneiras: como forma de expressão ou o resultado da incapacidade de controlar impulsos mais instintivos. Dentro desta visão, a delinquência suscita-nos uma certa compreensibilidade, derivada do entendimento da natureza mais animal do ser humano, mas também de uma criatividade esboçante de querer ir além, da qual origina a transgressão.

O comportamento criminoso pode iniciar cedo na vida ou ser potenciado mais tarde, dentro de um contexto que expõe as fragilidades éticas do indivíduo. Seja de que modo for, há sempre uma interação entre a vulnerabilidade do outsider e a efervescência do meio envolvente.

A profilaxia de uma problemática como a delinquência deveria ser um esforço coletivo de reeducação da própria sociedade, sendo certa, contudo, as suas próprias limitações. Não podemos esquecer a grande correlação que existe entre a delinquência e as condições socioeconómicas precárias. A pobreza, fruto de políticas injustas e ultrapassadas, é talvez o maior crime a ocorrer em pleno século XXI. Qual percentagem de responsabilidade deve ser imputada a um jovem, cuja realidade sempre foi de carência, falta de afetividade, falta de incentivo a uma melhoria de vida, violência?

Podemos, individualmente, não ter cognição sobre a nossa contribuição na construção de um mundo melhor. Mas, a partir do momento em que começamos a eliminar os subtis comportamentos de esquiva do núcleo da nossa personalidade, começaremos a resgatar os outros, e a nós mesmos, da marginalidade afetiva, dando bons exemplos e tecendo a teia da reconstrução da dignidade societária.

Tanto mais desenvolvido um país, quanto melhor for a sua educação. Não é só preciso toda uma aldeia para criar uma criança. É também precisa toda uma sociedade para encontrar respostas aos problemas sociais emergentes.

 

Marta Silva

 

04
Ago14

Para sempre delinquente (Delinquência – 15)

Publicado por Mil Razões...

 

O meu nome é Maha al-Sharif, vivo na Arábia Saudita e ontem fui presa por cometer um crime. Fui apanhada a conduzir, e no meu país só os homens podem conduzir. Safei-me com uma noite de encarceramento porque o meu marido é, simultaneamente, uma pessoa importante e um marido compreensivo e, como foi a primeira vez, moveu influências e mandou irem-me buscar. Quando cheguei a casa, bateu-me com um cinto, para me ajudar a ganhar juízo. Já sei que vai demorar muito tempo para ter coragem de me voltar a arriscar a sair de casa e sobretudo, tornar a ter oportunidade de colocar as mãos num volante. É que, se me tornam a apanhar, não me safo tão facilmente.

 

Chamo-me Feriha Kulin e sempre quis ser médica; adoro o cheiro a farmácia, os instrumentos cirúrgicos, o bulício dos Hospitais e, sobretudo, pessoas. Pronto, e puzles para resolver, do género, fratura exposta ou falha cardíaca. Chamem-me estranha… mas só quero ir salvar vidas. Fui inscrever-me na faculdade. Bateram-me, empurraram-me, correram-me à vergastada. Diz que só os homens devem estudar e que o lugar das mulheres é em casa, a tomar conta do marido e dos filhos. Diz que afinal sou louca. E agora estou internada num hospício. O meu pai trouxe-me. Diz que sou a vergonha da família.

 

Eu sou a Laleh. Há tempos passeava no parque da cidade, estava um lindo dia de Primavera. Ia de mão dada com a minha namorada. Ela disse alguma coisa simples e bonita como ela. Eu adoro-a. Dei-lhe um beijo. Demos um beijo rápido, envergonhado, a medo, a correr, como as duas criminosas que somos. Toda a gente sabe que aqui em Teerão a punição para a homosexualidade é a morte. Ela foi enforcada ainda antes de mim, eu fui obrigada a ver. Agora estou aqui nesta cela imunda, à espera que levem o meu corpo para o mesmo destino. Que seja em breve, por favor, porque a minha alma já foi.

 

O meu nome era Jehan Bakhsh e tinha quinze anos. Fui comprar especiarias à mercearia, já era um pouco tarde mas a minha mãe insistiu porque o meu pai, o meu marido e os meus irmãos estavam a chegar a casa para jantar e vinham com fome do trabalho, e era importante terem uma refeição decente. Aqui no Paquistão as mulheres têm que ter cuidado quando saem à rua sozinhas, mas eu tinha sempre cuidado. Já estava a regressar quando fui encurralada numa esquina por três jovens. Ainda imberbe, um deles. Mas todos muito decididos, muito cheios de si e de coisas para provar. Seguiram-se horas que não posso contar, porque nem consigo voltar a esse lugar. Consegui escapar com vida e voltei para casa. A minha família estava preocupada. Quando perceberam o que se passara, os homens da família levaram-me para as traseiras da casa. Chamaram-me nomes que também não ouso repetir, explicaram-me que a culpa era minha, que as mulheres são todas umas meretrizes e que eu era uma adúltera e uma desgraça insuportável para o bom nome da família. A seguir, mataram-me ao pontapé.

 

Eu nasci no Sudão e o meu pai chamou-me Meriam. Dizia sempre que eu era a sua luz. Depois os anos passaram e eu apaixonei-me. Para mim este amor vale tudo. Fiquei grávida. O meu amado é cristão, eu não. Fui presa, estava grávida. Porque ele tem uma fé diferente chamaram-me adúltera e levei cem chicotadas por ter casado com um cristão. Consegui sair do país com a minha família. Mas sei que não posso voltar nunca mais.

 

Dora Cabral

 

02
Ago14

Endometriose / Endometriosis

Publicado por Mil Razões...

 

Os artigos da série Endometriose, publicados em 5, 12, 19 e 26 de julho 2014, estão agora também disponíveis em inglês. Pode aceder à versão em inglês através do link existente no rodapé de cada um dos artigos.

 

The articles of the Endometriosis series, published in the 5th, 12th, 19th and the 26th July 2014, are now also available in English. You can access the English version through the link on the bottom of each article.

 

Mil Razões… + MulherEndo

 

01
Ago14

A delinquência subtil (Delinquência – 14)

Publicado por Mil Razões...

 

A Raquel trabalha comigo. É gaiteira, de Cedofeita. Fala em tom agudo, enerva-se em decibéis gritantes. Dos altos. É genuína. E é bonita por isso, só por isso. Só pela verdade. Porque a beleza aos olhos dos outros a Raquel não tem. Não apreciam os sapatos ou o semblante carregado. “Tem ar de zangada.” Dizem-me. É dissidente, bate o pé, levanta-se e chora, faz perder o juízo em quem trabalha com ela. Como certa vez me afirmaram a respeito dela “Sabes como é… Gente frontal: ou se ama ou se odeia…”.

O Pedro não a ama. Não consegue, seja de que maneira for. Não gosta do traço grosseiro dela, da indumentária dela, do trato dela, até das palavras que ela utiliza. Não gosta da transparência porque ele não a tem. Então opta por fazer de Raquel, ela própria, a transparência: não a vê, não lhe fala, desdenha e ignora-a. Como se de um verme se tratasse, nem a um nível do tafetá translúcido o Pedro assume a Raquel: é um fantasma para ele. Um infeliz (e raivoso) encontro numa determinada época profissional. Que é esta e que é implacável. Como o Pedro é com ela.

O assustador da minha história - e o que perturba como espetadora da raça humana – é que o Pedro é encantador. É galanteador. É sedutor. Eloquente. Bem apresentado: fato sem vincos, cabelo aparado. Um político na sua poltrona de couro. Sorriso forçado mas sempre presente. Piada tirada a saca-rolhas, graxa nos sapatos dos superiores. Alguém que me tira do sério verdadeiramente. Que resume uma colega de trabalho a lixo. A nada. Que me diz sem pudor “Ela devia ser uma delinquente no meio onde cresceu.”. Mas que a ela nem palavra. Nem “Bom Dia”, nem “Boa Tarde”. O Pedro é enguia.

Que vai morrer a meio do caminho nesta procura incessante de aniquilar a Raquel, de a resumir a um ser inferior à sua existência, de não aceitar o brilho genuíno e intenso dela. Marginaliza-a com toques de subtileza, de cavalheiro, de senhor.

Uma serpente que morrerá com o seu próprio veneno, um veneno tão comum: a tentativa de resumir os outros a seres ordinários, desestabilizadores e de caráter duvidoso. Mas o Ser Humano é isso mesmo, imbecil. Não se retratando e revendo os atos acredita na punição coletiva a alguém quando, na verdade, o que está a acontecer é que a punição está a cair nos seus próprios ombros. Porque quando nós falamos de alguém, quem nos ouve ficará a saber mais de nós do que propriamente de esse alguém.

E a máxima de que a verdade é como o azeite é tão séria quanto a Raquel. Que luta pelo seu lugar ao sol. E que vai ser dado com a luta que ela própria assumiu desde que entrou: sem filtros e sem luz artificial.

Hoje foi um dia de explosão. De discussão. De ódio exposto no maior exponencial possível onde trabalhamos. Um dia de distúrbios. Um dia que me fez rezar. E esperar, de uma vez por todos, a Mão da Justiça. Que virá brevemente.

Sabemos que o Mundo está com os princípios invertidos mas eu sei que a centelha da vida – seja ela delinquente ou não – é a pedra basilar de todas as coisas.

O resto (os restantes)… É só verniz do verdadeiro delinquente… dissimulado.

 

Sofia Cruz

 

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