Estou de luto (Luto – 9)
Estou de luto. Possivelmente este meu luto há de terminar um dia, mas não tenho a certeza disso.
Já estou de luto há tanto tempo que já nem me lembro como é não estar de luto; mas não é por estar assim há tantos anos, desde os meus nove anos e meio, era dia de Consoada, que este passou a ser o meu estado normal.
Não. Sem ser um pensamento ou um sentimento obsessivo, sinto a falta do meu pai com frequência. Ainda não atingi a maneira de me habituar a não tê-lo entre os meus. Falta-me pelo que sei e pelo que não sei, pelo que nunca cheguei a ter.
A morte do meu pai, acrescida dos prolongados meses de doença que o impediram de fazer a sua vida normal e que fizeram com que já estivesse afastado do convívio habitual com ele desde os oito anos e qualquer coisa, por motivo dos diversos tratamentos tentados, até no estrangeiro, fazem com que me lembre pouco, demasiado pouco, como era, como foi, de estarmos juntos.
A morte dele teve influência no rumo da minha vida. Até agora. Até quando?
O que me marcou muito foi o facto de ter sido decidido que eu ainda não tinha idade para vê-lo morto ou, sequer, acompanhá-lo no funeral. Compreendo-o, percebo as razões que levaram aos meus familiares (a minha mãe não estava em condições de resolver a questão) a tomarem essa decisão, mas não aceito. Por maior que tivesse sido o meu sofrimento, eu teria querido, deveria tê-lo acompanhado até ao cemitério, nessa ocasião única. Talvez assim pudesse ter começado mais cedo e melhor o meu luto; ou talvez não, não interessa. Gostava de ter estado no funeral e não estive. E não há maneira de remediar esta falta.
A minha vida é normal, com momentos de alegria, de felicidade, felicidade extrema, assim como de tristeza e arrependimento. Nada me tirou o luto.
Posso estar enganado, mas dificilmente algo dirá exteriormente que estou de luto. Mesmo que o meu pai tenha morrido no Natal, decapitando a minha família, tal não me impede de gostar tanto desta festa que comemora a família.
O facto é que ainda não recuperei desta perda. Por baixo do meu sorriso ou gargalhada mais genuínos, estou de luto.
Jorge Saraiva