A grande banhada (Infância – 13)
"Chiu! Eles vêm aí!". E instala-se um silêncio tenso enquanto eles se aproximam.
Isto passa-se atrás de uma barricada estrategicamente preparada para os esconder. Uma espécie de quartel-general feito com todo o empenho e detalhe, com canas e cordel, camuflada com folhagem e ramagem entrelaçada. Atrás da barricada providenciaram pelos cómodos de que todo o guerreiro necessita: bancos de madeira (o mais alto é o do chefe), um caixote de madeira com tampa (onde estão secretamente guardados os mapas secretos e os planos secretos de ataque, bem como a limonada que a mãe do chefe lhes preparou), uma bacia cheia de balões de água, uma arma ultra potente a que carinhosamente chamam de canhão d'água (é uma mangueira), um pau de marmeleiro espetado na terra e, amarrado a ele, uma bandeira de pano negro com uma caveira toscamente pintada a vermelho vivo (não sei porquê, esta caveira faz lembrar um texugo, mas atenção, um texugo ameaçador, não um desses texugos fofinhos).
Os piratas estão a postos. Espreitam por entre a ramagem da barricada, carregados de balões nas mãos, nas camisolas reviradas e no chão (e ainda têm a bacia cheia deles). "Isto vai ser um massacre!", sussurra um deles para o do lado. O do lado solta um guinchinho surdo de sei lá do quê (talvez de alegria concentrada e contida, os putos têm destas coisas). Todos agachados como podem, porque a barricada agora não parece ser assim tão alta.
Os inimigos estão à vista. Entre os inimigos está uma menina, o alvo preferido dos piratas. Vem de vestidinho, a palerma. Vai ficar uma desgraça. Secretamente, muito secretamente, absolutamente completamente secretamente todos os piratas acham que ela é gira.
Ninguém pia, ninguém mexe. O ataque está iminente. Os inimigos vêm cautelosamente em bando. São quatro a contar com a menina. Parece que sabem que algo os espera. Um deles aproxima-se incautamente da barricada. Os piratas preparam-se para o atacar. Os outros inimigos juntam-se àquele que se aproximara incautamente da barricada. A menina também. Todos os olhos dos piratas estão agora postos nela.
De repente… "Plof!" Rebenta um balão de água em cheio na nuca do pirata mais gordo. E logo a seguir uma rajada deles nas nucas e nas costas dos outros piratas. Os piratas viram-se de repente e começam a disparar "balonadas" com toda a força, freneticamente, caoticamente. A maior parte delas erra o alvo. São agora atacados por todos os lados. A menina é d'armas: atira melhor do que os rapazes.
"O canhão! O canhão!" - grita o chefe - "Liga a água!". Mas já era tarde. Os inimigos tinham despejado toda a artilharia sobre eles e agora piravam-se. Tinham caído numa emboscada. Foram distraídos pela frente e cobardemente atacados por outros três inimigos que se escondiam por detrás deles. Foi uma valente derrota. Uma humilhação total. Estavam encharcados até aos ossos. Nem tiveram tempo de chegar à bacia. Foi um ataque relâmpago.
Ficaram por instantes calados e a escorrer. Mas logo se seguiu uma acesa discussão de todos contra todos sobre quem não viu, quem não previu, quem bufou…
Foram então secar-se e deitaram-se ao sol a beber limonada e a falar sobre qualquer outra coisa.
Lembro-me bem deste dia: eu era o pirata mais gordo. E a miúda era mesmo gira.
Joel Cunha