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Mil Razões...

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

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24
Dez13

O cheiro da liberdade (Liberdade – 15)

Publicado por Mil Razões...

 

Sobre a liberdade, muito se apregoa, pouco se sente. A que chamo eu liberdade? Em que grilhões termina? Em que esquina se faz minha? A liberdade começa aqui, neste limite invisível que reconheço em mim e que por vezes me cega ao que está ao alcance do meu braço. Liberdade é eu saber que sou do tamanho daquilo que sinto, por mais que a vida se encarregue de me toldar o pensamento. A liberdade cabe em quartos diferentes, do hostel ao topo de gama. No entanto, leio-a à luz de que razão, meço-a em que escala? Escolho, realmente, ou seleciono apenas uma opção predefinida que eu, tal rato de laboratório, penso ter escolhido na íntegra? Seja lá o que for, algo me impele na busca dessa liberdade. A dá-la e a recebê-la. A alternativa: morrer em vida. E, quanto mais o digo, mais me perco nos meandros deste sentimento. Dentro de mim, a liberdade veste-se de cores diferentes, de sentidos distintos, de cheiros exóticos, de olhares múltiplos.

Ser livre é saber viver o que é único, ainda que atravessando o pior dos desertos. É aceitar a tremenda tarefa de dar tudo por tudo. De acreditar, de lutar, de viver em paz e sentir que nada, absolutamente nada, pode ser mais libertador. A liberdade é saber que já estamos em casa e que esse lugar, afinal, não é um sítio, é uma pessoa ou um sentimento. É descobrir um oásis de liberdade dentro de um par de braços, enquanto o mundo lá fora colapsa. Ou então, não preencher a outra metade da cama, mas estar em casa dentro de si, sem vazios nem suplícios. Liberdade é não ter frio, nem fome, nem maleitas e, ainda que seja mais o que mina do que aquilo que estrutura, e se acabe a ter isso tudo, caminhar sem grilhões permanentes. As crenças e as vontades que condicionam são mutáveis, sensíveis ao que em torno de si gravita. Significa que é (quase) sempre possível inverter o sentido de uma história que começou mal, mas significa também que não há enzima que nos valha se a alimentarmos de uma paranóia gourmet. Quando se diz que um momento pode mudar uma vida é mesmo verdade. Out of the blue, uma parcela de um único dia pode alterar completamente a rota. E nada mais será igual. Parece coisa de filme, mas não é. As coisas mais incríveis acontecem em pequenas brisas do quotidiano, roubando por completo a liberdade ou dando-a de forma miraculosa. Na vida de todos nós, na vida que se espera diária e longa, desejamos “antes” bem resolvidos e arquivados (ou incinerados, depende muito da natureza do “antes”, claro está…) e um “agora mesmo” que não permita uma única brecha na alma. O sentimento de pertença (não de posse) que se faz num tempo comum pode iniciar a jornada. E começa a verdadeira liberdade. Desempacotar a bagagem, sobretudo aquela que tresanda, com alguém que se sente mais fundo, e não ser apelidado com nomes pré-históricos é algo de uma beleza incrível. A verdadeira liberdade é ser-se de alguém quando só isso faz sentido. Se tudo corre bem, a confiança e a reciprocidade validam essa liberdade todos os dias. Acredito que nas histórias de uma vida inteira, as que são feitas de várias camadas de pele e afetos (e não de resignações comuns, de males “menores”, ou interesses desinteressantes), a liberdade terá sempre existido e, só por essa razão, as pessoas escolheram ficar lado a lado. Porque mais nada faria sentido. É muito bonito de se ver. Quem carrega grilhões: o all in one ou o “dividir para reinar”? O tipo que faz a aposta da sua vida ou aquele que tem várias apólices de seguros, com nomes singelos como Gertrudes, Hortência ou Tânia Vanessa; Zeca, Asdrúbal ou Fábio Igor?

A minha liberdade começa em mim e não pode acabar no outro ou eu estaria, para sempre, à sua mercê. Da mesma forma, não quero o outro ao sabor dos meus caprichos. A minha verdade não é a verdade do outro, não é a verdade do mundo. Gosto de pensar que é possível coexistir sem atropelos. E ainda que, na vida social e profissional, esteja condicionada por múltiplas variáveis e hierarquias, dentro de mim, a minha liberdade não tem mais fim porque não existe finitude na estratosfera da minha alma. Nela percorro uma estrada que condiciona, cada vez mais, a circulação de azedumes, histórias macabras e memórias de arrepiar, mas na qual circulam em via verde os meus sonhos e os meus desejos, sem limite de velocidade. Resgatando a liberdade, quilómetro a quilómetro, todos os dias da minha vida. Só assim me sinto verdadeiramente livre.  

 

Alexandra Vaz

 

Porto | Portugal

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