Não há liberdade, há libertação* (Liberdade – 7)
Os noivos estavam vestidos a rigor e contrastavam com os tons cinza dos convidados.
Foi João quem decidiu a cor das roupas que iriam usar: vermelho escarlate. Foi João quem escolheu as flores: cravos vermelhos. E foi ainda João quem descobriu o local onde se iria realizar a cerimónia: uma velha ponte abandonada que outrora ligara dois caminhos improváveis. A música e o texto que todos ouviriam no final foi objeto de prolongadas e animadas discussões entre os dois. Todas as escolhas, até ao ínfimo pormenor, continham elementos simbólicos fortes, como se cada opção exigisse a reafirmação inequívoca de que o futuro daquela união, desde há muito traçado, seria trilhado sem hesitações.
Como tinham sido difíceis os caminhos percorridos até àquela ponte! As duas famílias tinham-se oposto ao casamento e tudo fizeram para que ele não se realizasse. Até os amigos mais próximos se comportaram de forma ambígua, e a amizade franca e antiga que os unia foi abalada por desconfortáveis interpretações das palavras, dos gestos e dos olhares que trocaram nos últimos tempos. Havia, por isso, uma tensão latente, quase insuportável, que atravessava todos, porque a todos atingia. Mas quando a cerimónia se aproximou do final e uma criança vestida de branco citou Brecht ao som de Freedom, e os noivos se beijaram, como por encanto mágico, irresistível, todos se abraçaram emocionados e uma corrente de paz e felicidade a todos uniu.
“… criar uma situação que a todos liberte / E o amor da liberdade faça supérfluo.”
João e Manuel não podiam estar mais felizes.
José Quelhas Lima
* Nelson Mandela