Brincadeiras arriscadas (Risco – 3)
Recordo o prazer que sentia, em criança, a andar em cima do risco. Não, não é em sentido figurado, andava mesmo em cima de um risco. Com um pau desenhava um risco no chão, colocava-me numa extremidade, abria os braços, procurava o equilíbrio do corpo e, com o olhar em frente, começava a andar em cima do risco. A ideia era não colocar os pés fora do risco: um passo, dois passos, três passos, e o quarto passo, já ao lado, obrigava-me a recomeçar. Recomeçava tantas vezes quantas fossem necessárias para conseguir ir até ao fim sempre em cima do risco. Era muito honesta no jogo, não tinha que provar a minha proeza a ninguém, era um desafio meu e para mim, enganar-me não me ajudava a aperfeiçoar a técnica de andar em cima do risco. A brincadeira inofensiva adquiria contornos mais perigosos quando trocava o risco no chão pela beira do passeio, ou por um muro, e era tanto mais empolgante quanto mais alto e estreito fosse esse muro. Quando um determinado lugar já não era suficientemente atrativo do ponto de vista da dificuldade, introduzia elementos novos: andava ao pé-coxinho ou caminhava de olhos fechados. Traçava os meus desafios, imprimia-lhes dificuldades, esforçava-me para sentir a grata satisfação de conseguir. Ralhetes, entorses nos pés, tombos e quedas daquelas que põem o cóccix a falar connosco durante dias, não eram suficientes para pôr de lado essa brincadeira - na primeira oportunidade deixava a segurança do chão, desafiava a paciência dos meus cuidadores e corria riscos desnecessários. Desnecessários, seriam?
Cresci e deixei de andar em cima do risco ao pé-coxinho e de olhos fechados na beira do passeio e em cima dos muros, mas ficou-me de então esta mania de não virar as costas aos riscos. E como poderia virar se o meu conceito de vida está associado à capacidade de enfrentar desafios e de correr riscos.
Com a idade e a experiência é verdade que ganhei capacidade de avaliar as consequências de correr certos riscos, tornei-me mais cautelosa e retraída do que era então, mas nem a idade nem a experiência me impedem de arriscar nos desafios que traço para mim. Nunca o medo de enfrentar as consequências ou a possibilidade de perder, determinaram as minhas decisões, ou pelo menos, estes nunca foram o lado forte da balança. Se não sou bem-sucedida, muitas vezes não sou e perco, tenho pena, mas pelo menos tento, não fico na dúvida e na angústia de não saber até onde poderia ir se arriscasse.
Conheci em tempos um colega que se orgulhava de nunca ter tido uma derrota na vida, soube mais tarde que não tinha tirado a carta de condução por ter medo de chumbar no exame. Assim, com tantas cautelas, como poderia ter derrotas?
Cidália Carvalho