Era mais um dia… (Depois da tentativa – 11)
Era mais um dia…
Um dia normal de trabalho no Serviço de Urgência…
Doentes e mais doentes (Uns mais doentes que outros!), muitos velhos e alguns novos, em macas e em cadeira-de-rodas… tantos que a certa altura já se torna impossível chamá-los a todos pelo nome!
Era Inverno… (São as gripes e as Pneumonias, é assim nesta altura!)
Era mais um dia…
Era mais um doente…
Tinham ligado a avisar: Ia chegar um doente à Sala de Emergência: uma tentativa de suicídio por enforcamento, um homem novo, disseram, vinha com os bombeiros.
Estávamos à espera.
E a sala tocou… Deixámos tudo o que estávamos a fazer e corremos à Sala de Emergência… (O que iria encontrar? De onde vinha? O que o levaria a fazer isto?)
Entrei.
Lá estava ele, um corpo inerte, frio, gelado como o ar que vinha lá de fora… (Não há nada a fazer!... Faleceu.)
Não trazia identificação. Fora encontrado em casa pelo rapaz do café que todos os dias lhe ia levar o tabaco. Devia ter entre os 35 e os 40 anos, mas a roupa suja e a barba por fazer faziam-no parecer mais velho. Era alto e bem constituído, apesar do aspecto emagrecido. Tinha o corpo tatuado e num dos braços a frase – Haverá sempre um amanhã! Percebi que tinha um tumor da laringe localmente avançado, que o impedia de se alimentar a não ser por uma sonda, que o impedia de falar e de respirar sem ajuda de uma traqueotomia. Estava preso quando a doença lhe foi diagnosticada, foi operado, mas a doença progrediu rapidamente. Recusou quimio e radioterapia. Pediu para morrer em casa, na velha casa onde tinha passado a infância com a mãe, antes de esta o deixar sozinho no mundo (provavelmente a única altura da vida em que tinha sido feliz e tinha feito alguém feliz!).
Joana Gonçalves