O avô Domingos (Ser - 2)
A atenção de José permanecia fixa naquela fotografia dos anos cinquenta. O olhar percorria rápido as cinco pessoas que bordejavam a foto e fixava-se no centro do grupo. Ali estavam os avós maternos rodeados pelos netos mais velhos e, ao colo do avô Domingos, a figura pequenina de José, ocupando a posição que lhe competia já que ele era o centro do mundo e o mundo era todo seu. Assim o indicavam os olhares dos que o rodeavam e o seu próprio olhar.
A foto de família provocava-lhe sensações fortes e intrigantes. A idade de José correspondia à idade que tinha o seu avô à data da fotografia. O pátio rodeado de plantas e recordações de infância, já não existia. Já não existia a casa e as pessoas mais velhas que a habitaram. Muito do que para si significava inocência e felicidade tinha acontecido ali onde já não moravam pessoas e já não se ouviam vozes.
De súbito, o pequeno pátio ganhou vida. Todos se levantaram das cadeiras de jardim à excepção do avô Domingos, que permaneceu imóvel com José ao colo. E todos se movimentaram. A avó subiu lentamente as escadas, apoiada no corrimão e passou a porta que dava acesso à cozinha. Os primos dispuseram-se em círculo, combinaram regras e fugiram quintal abaixo.
As mãos trémulas de José seguravam a fotografia com dificuldade. Fixou o olhar no avô receando que, à semelhança de todos os outros, ele fugisse também. Lentamente, o avô Domingos levantou os olhos do menino que tinha ao colo e olhou para José. Olharam-se por longos momentos de ternura. E o olhar doce e meigo foi o que ficou daquela fotografia dos anos cinquenta.
José Quelhas Lima