A espera (Expectativas – 9)
- Este exame já está. A doutora virá já ter consigo.
Mais um exame para a já longa colecção. E depois mais outro e outro e outro… Quantos mais quererão eles? E para quê tudo isto? Perceberão o quanto cada exame me faz sofrer?
Levou a mão à cabeça, passou os dedos pelos cabelos, lentamente. Sempre gostou do seu cabelo e de o ter um tanto comprido – liso, ondulava ao crescer. Fez a mão deslizar lentamente, para melhor fixar a sensação na memória. Desde que aceitara que o fim estava a aproximar-se, procurava fixar todas as boas sensações, as que estavam ignoradas, as suas conhecidas, as que experimentava pela primeira vez, tentando guardá-las bem vivas para as levar consigo.
Ai estas esperas, estas esperas e desesperas… Os médicos evitam falar comigo – demoram, depois chegam e despacham, com o carinho e o embaraço de quem sabe que nada resulta, de quem não tem respostas, nem soluções. Não sabendo lidar com estas situações, refugiam-se nas tentativas sem fim. Tentar o quê? Falta-lhes coragem, acho eu. Um destes dias vou ter de assumir por eles, colocar fim a estas tentativas e exames, deixar a natureza funcionar, sem ser contrariada, sem ser retardada.
Olhou as suas mãos – estavam magras, secas e picadas.
Para quê continuar a estragar estas mãos?
Esticou-se na cadeira, deixou a cabeça cair um pouco para trás. O seu pensamento foi para longe.
Todos fogem da morte, seja ela dos que lhes são indiferentes, seja dos que lhes são queridos, seja da sua própria morte.
E logo o pensamento veio para mais perto. Recordou o rosto da sua mulher e desejou estar junto dela, tocar-lhe, senti-la. Sabia o quanto ela iria sofrer com a sua ausência e essa era já a única coisa que o incomodava emocionalmente. Queria morrer junto dela.
Como vais sofrer minha querida - e eu nada posso fazer para o evitar. Sei que te reencontrarei e isso tranquiliza-me, mas irás ficar aqui, sozinha, por algum tempo. Sei que irás sofrer em silêncio. Espero que os nossos filhos consigam ser para ti alguma compensação.
Tentou parar o pensamento, colocá-lo no vazio, descansar. Ficou assim durante uns minutos.
Depois, recomeçou a construir pensamentos, lentamente. Sentia-se cansado e, tanto quanto conseguia avaliar-se a si mesmo, preparado. Ou quase preparado. Queria ver algumas pessoas, uma meia dúzia de pessoas, pela última vez, mas sem o revelar para não as assustar, e depois sim, estaria preparado.
Queria ficar tranquilo, senhor da sua sorte, com a família, em particular com a mulher que amava. Já não aguentava o inútil esforço de mais exames e testes.
Está decidido: quero seguir o meu caminho sem mais atrasos. Quero ir para casa!
Fernando Couto