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Mil Razões...

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

04
Jan16

Uma fórmula simples (Poder – 2)

Publicado por Mil Razões...

ARFrente.jpg

 

Não nos víamos há alguns anos. Quando terminámos o curso, ele um distinto aluno, resolveu deixar o país para se especializar no estrangeiro. Estivemos sempre em contacto através das redes sociais mas este encontro era importante para os dois, queríamos lembrar o passado, rir das partidas e brincadeiras de estudante, recordar alguns colegas e falar dos nossos inocentes casos amorosos. Queríamos matar saudades. Quando nos encontrámos no café onde outrora costumávamos estudar, reconheci naquele homem maduro e com ar de bem-sucedido, o meu jovem amigo de outros tempos. O seu sorriso franco foi um convite ao abraço que só os bons amigos sabem tornar tão especial. O diálogo surgiu de forma pouco organizada, queríamos saber tudo o que aconteceu nestes anos mas as perguntas não saíam em sequência, atropelavam-se e estávamos demasiado felizes para conseguir organizar as ideias. A propósito da sua aparência, de quem se tem dado bem na vida, e certa de que seria compreendida, disse a certa altura:

- O poder sempre me atraiu.

- Não precisas de te defender dessa afirmação mas gostava que ma explicasses. O que tanto te atrai no poder? Perguntou-me ele.

Confesso que não estava a contar dar explicações sobre os meus gostos e principalmente sobre frases inconsequentes proferidas no meio de uma conversa de circunstância. E assim, desprevenida, nada me ocorria que justificasse a minha tendência. Mas ele parecia não querer deixar esta conversa pela rama e acudiu tentando clarificar o conceito:

- Mas a que poder te referes? O poder adquirido que te chega através de cargos institucionais e que te torna respeitável perante os outros, o poder que o dinheiro dá, ou outro qualquer que te eleva acima dos teus semelhantes?

- Não, não é bem esse o poder que almejo e, colocada assim a questão, quase que me sinto ofendida. Não quero ter poder por aquilo que faço ou por o que posso adquirir. Tartamudeei, arrependida de ter levado a conversa para esse campo. Definitivamente, não é mesmo nada esse o poder que me deslumbra, mas também não consigo explicar o que há no poder e que tanto me atrai.

 

O silêncio caiu e como uma rede arrastou os sentimentos presentes no início do encontro.

Permanecemos sentados sem que qualquer um de nós fizesse um gesto para abandonar o lugar. Senti-me constrangida, não sabia o que fazia ali, nem mesmo se queria ali estar, mas a verdade é que não tomava a iniciativa de me despedir. Procurei algo que me chamasse a atenção e desviasse o olhar para fora do pequeno círculo povoado pelos dois, mas o meu interesse estava ali e o meu olhar recuou novamente para a mesa do café. Observei-o pelo canto do olho. Vi-o, cabeça baixa mexendo o café com ar pensativo. Reconheço-lhe a atitude de alheamento e a capacidade de se isolar em público para melhor pensar. Não sei o que dirá quando saltar de novo para o nosso encontro mas, se bem me lembro e ele não mudou, terá algo a dizer e eu vou gostar de ouvir.

Sorveu um gole de café, saboreou-o e com a maior das calmas e simplicidade, disse:

- Sabes, eu acho que o poder não nos é dado nem o podemos adquirir com cargos importantes ou dinheiro. De nada serve estarmos investidos de poder se não o soubermos exercer, e poucos sabem exercê-lo na medida e na força certa, facilmente resvalam para situações de medo e de humilhação. O poder, penso que está em nós, só precisamos de ser suficientemente humildes para nos despojarmos de falsas ideias a nosso respeito e a respeito da realidade, isto é, se vivemos a pensar que estamos acima dos outros e que a realidade é como nós a entendemos e queremos que ela seja, então nunca seremos poderosos e a única coisa que temos é adversários. Mas se, pelo contrário, conseguirmos olhar para fora de nós com humildade, então seremos poderosos porque temos o essencial, temos tudo.

Voltava a olhá-lo de frente. Lembrei-me de quanto o admirávamos quer pelo seu saber e conhecimento, quer pela disponibilidade como respondia aos nossos pedidos de tirar dúvidas, tarefa a que se entregava sem a superioridade que o saber vulgarmente confere, antes, aproveitando a oportunidade para ele próprio questionar e aprofundar as matérias.

E descobri fascinada que o que realmente me atrai no poder é a humildade com que é exercido.

 

Cidália Carvalho

 

01
Jan16

O poder criativo (Poder - 1)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Baby Incubator – Isabel Vanzieleghem

 

Testemunho, com alguma frequência, pessoas a vivenciarem uma transição de saúde-doença. Se por um lado a doença assusta, destruindo caminhos já muito determinados e formas de lidar com acontecimentos da vida, por outro, pode levar a que as pessoas acionam a sua criatividade para lidarem com ela. É o poder criativo da doença. Descobrem-se poderes latentes, nunca previstos, e a vida transforma-se num modo inimaginável. Oliver Sackes, no seu livro Um antropólogo em marte, chama-lhe o “paradoxo da doença”. Estas pessoas que acionam a criatividade fazem e refazem, pensam e repensam, formulam e reformulam vezes sem conta. Não sei se se surpreendem com elas próprias, mas sinto que surpreendem os outros. Reaprenderam a viver; agora vivem com a sua doença.

 

Testemunho com alguma frequência pessoas que passam a cuidar de outras em situações difíceis e vivenciam também, por isso, uma transição. Da mesma forma, cuidar de alguém em situações difíceis pode, por um lado, destruir caminhos de quem cuida e, por outro, pode fazer com que o cuidador acione a sua criatividade para cuidar. É o poder criativo e, da mesma forma, paradoxal do cuidador, diga-se, cuidador informal; o cuidador familiar. Estes cuidadores que cuidam de pessoas em situações difíceis, fazem e refazem, pensam e repensam, formulam e reformulam vezes sem conta. Os que vão observando “de fora” questionam como se consegue tal desempenho. Não sei se estes cuidadores têm tempo para se surpreenderem, mas sinto que surpreendem os outros. Reaprenderam a viver; agora vivem com os seu(s) doente(s); com o(s) seu(s) familiar(es).

 

William Osler (Sackes, 1995) diz: “Não pergunte que doença a pessoa tem, mas antes que pessoa a doença tem”. E, porque o cuidador tem o poder de poder ajudar, eu diria “Não pergunte que doente o cuidador tem, mas que cuidador o doente tem”.

 

Ermelinda Macedo

 

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Porto | Portugal

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