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Mil Razões...

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

30
Out15

A eternidade somos nós (Tempo - 13)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Our Planet On A Palm – Виталий Смолыгин

 

O Tempo… de que matéria é feito o Tempo? Conseguiu a ciência demonstrar que o tempo se esgota? Porque nos rendemos tanto perante um Tempo se este é eterno? Porque corremos tanto contra um Tempo, se nós somos o próprio Tempo?

 

Tempo é conceito… um signo criado pelo Homem ao qual se atribuiu um significado. Será do Tempo passado que sentimos saudade? É do Tempo futuro que temos medo? Um medo que nasce no Tempo presente com medo do desconhecido…

 

O Tempo não existe… existe eternidade, e a eternidade não se explica… a eternidade sente-se… sintam a eternidade em cada respiração profunda… em cada brisa… em cada flor que renasce… em cada estrela… em cada gota de água… em cada um de nós…

 

Todos nós somos a Eternidade… todos nós somos fruto da criação…

 

O Homem não é religião… o Homem não é Raça… o Homem não é Crença… o Homem não é Luta… Sofrimento… Dor… Vingança… Diferença… o Homem não é Superior…

 

Se superioridade existe, o Homem habita neste momento o mais baixo patamar de inferioridade… o mais baixo patamar da intolerância, da fragmentação, do caos… o Homem que julga tudo controlar… mas o Homem não é Deus… o Homem é uma criação… é energia… é espírito…

 

Ao Espírito foi dado um corpo… ao Espírito foi dada uma visão… e o Homem deixou-se cegar… deixou-se perder pelo caminho… deixou-se adormecer… deixou-se afastar da eternidade…

 

Liguem a televisão… procurem por informação… o que encontram? Encontram o fruto da cegueira… encontram o fruto do desvio… será que somos apenas isto? Será que somos apenas Guerra? Corrupção? Racismo? Xenofobia? Segregação? Ego? Dinheiro? Poder? Inveja? Rancor? Raiva? Ambição? Futilidade? Superficialidade? Aparência?

 

Agora saiam lá fora… tentem encontrar-se algures por entre este mundo que tornamos louco e insuportável… viajem até ao centro de um jardim… desapareçam por entre a Natureza… desliguem-se dos telefones… desliguem-se da Internet… desliguem-se do que é material… e agora observem o Mundo sem a venda… observem o Mundo não apenas com os olhos físicos mas com o olhar da Alma…

 

Façam a pergunta a vocês mesmos… seremos apenas isto? Olhem em redor… olhem para tudo o que nos foi oferecido… olhem para a vida que nos rodeia… seremos tão ignorantes ao ponto de acharmos que somos o centro do Universo? Que perante esta imensidão de vida e energia somos os únicos iluminados a quem foi dada a bênção da vida? Será tudo isto um enorme acaso? Porém, acaso com uma complexidade que ultrapassa a compreensão Humana… e seria este o nosso desígnio? Tanta vida paga com Destruição? Tanta vida desperdiçada com Ódio?

 

Temos que ser mais do que isso… temos que voltar ao nosso caminho… temos que recuperar a visão… temos que procurar incessantemente a resposta para a pergunta “O que somos?”, “Qual o nosso papel nesta imensidão?”, “Para onde vamos”… e para onde vamos não existe Tempo… existe amor, um amor que não é mensurável... uma compaixão inqualificável… um sentimento de que todos estamos interligados e fazemos parte de um todo… todos somos um… quando o corpo físico se extinguir ficaremos apenas nós… da forma que realmente somos… sem máscaras… sem filtros…

 

Mas enquanto não despertamos para a eternidade, porque não começar já por treinar o Amor? Porque não elevar-nos a algo melhor?

 

O Tempo… esse não existe, porque a eternidade… somos nós…

 

P. Melo

 

 

28
Out15

Divagando no tempo (Tempo – 12)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Curl Of A Low Tide Wave – Circe Denyer

 

É engraçado como o tempo, por vezes, é difícil de contar. Como às vezes parece passar tão depressa; outras tão devagar. Porque o que é o tempo, afinal? Será de facto mais que uma ilusão humana? Ou que importa, de todo, procurar distinções entre ilusão e realidade, uma vez que nunca saberemos mais do que a nossa perceção do mundo e que nunca nos preocuparemos com mais do que o que sentimos a cada momento?

Das reflexões sem fim pelos recantos da imaginação, da razão, ou de tudo o mais que nos guie, emerge então a fantasia. Eu diria que em relação ao tempo – e ao modo como ele nos comanda, com tanta força, sempre que procuramos ser nós a comandá-lo – estas meditações eternas podem trazer alguma leveza. Isto é: independentemente da natureza real ou ilusória do tempo, ele mostra-se invariavelmente algo tão maior que nós próprios! Sejamos nós um pequeno frágil boneco nas mãos da grandiosidade do tempo, ou um mar de complexidade que constrói ideias abstratas de algo totalmente ilusório – ou nenhum dos dois aspetos, ou ambos ao mesmo tempo – o tempo, em si (seja ele o que for) ultrapassa tão grandemente a nossa consciência…

Porque não sabemos dizer o que é o tempo; não sabemos vê-lo nem senti-lo. Poderão dizer-me, então, que estou errada e que sentimos claramente o tempo quando corre por entre nós. Mas isso que sentimos são os movimentos do tempo e não tanto o tempo em si.

Porque seja a natureza do tempo aquela que for, é algo que nos ultrapassa em tal grandiosidade! Mencionei já que estas reflexões sobre o tempo nos podem trazer uma certa leveza? É verdade – porque quando nos deparamos com algo tão maior que nós próprios, todo o peso doloroso da nossa existência dissipa- se subtilmente com o sopro do vento. O que resta então? Entrega.

Pouco importa se algo do que digo é verdade se não. Tudo é como o tempo – ilusão ou realidade, só a sensibilidade das nossas perceções nos comanda – e logo corremos constantemente dentro do nosso próprio olhar. No entanto, quando a visão se torna turva e o corpo pesado, podemos parar e contemplar o tempo. Podemos, por um momento, escolher leveza, entrega, liberdade.

 

Isabel Pinto

 

26
Out15

Tempor (Tempo – 11)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Despejando Cerveja – Petr Kratochvil

 

Duas horas e meia de sono na noite anterior e o torpor adensa-se. Os olhos querem fechar mas estou num país estranho. Por um qualquer motivo, até para mim indecifrável, sentei-me na esplanada de um bar. O dia está a fechar e os ingleses, vermelhos, começam a jantar. Para mim, latino, é cedo. Demasiado cedo. Para comer ou ir dormir.

À minha frente tenho uma mesa para quatro, mas estou só.

A cerveja local, de um litro, engole-me a visão, aliada a esse cansaço que me transporta para a semiconsciência.

Reparo num canteiro que tem uma árvore. Sofre com a poluição de uma zona balnear famosa. No seu centro a árvore não abana com a brisa gentil. Passa um Opel Corsa e as plantas vergam.

Dou-me conta que passou um momento único na minha vida. Precioso por isso mesmo, mas inútil daqui por uns minutos.

A vida é isto mesmo.

Coisas que não se repetem, e que na maior parte das vezes não valem nada.

A não ser que não tenhas dormido.

E que o álcool ajude.

 

Rui Duarte

 

25
Out15

Desafios (Suicídio - 8)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: York City View – Petr Kratochvil

 

De repente o meu corpo voa em queda livre a grande velocidade… a força do ar comprime o meu rosto deformando-o… em segundos, os pontos distantes ganham forma… a distância vertiginosamente encurtada, desenha os vários contornos das copas das árvores, dos telhados… a agitação da cidade que acorda torna-se nítida e os ruídos mais percetíveis à medida que me aproximo do fim… o impacto derradeiro: um espasmo doloroso percorre todo o corpo fazendo-me saltar na cama…

Acordo sobressaltada, desorientada, os cabelos molhados, o corpo a ferver, húmido de transpiração da brutal emoção final. Sento-me na cama, surpreendida com este sonho em que ponho termo a uma vida, a minha própria vida. Nunca a ideia de suicídio me tinha surgido de forma tão pungente, tão real!

Essa ideia de uma aparente liberdade, esse ilusório poder sobre a própria vida, fez-me pensar…

A ideia de suicídio afigura-se como uma remota possibilidade de comandar a vida, interrompendo-a. Percebemos que temos a capacidade de decidir antecipar um fim que desde o momento do nosso nascimento já é certo, embora num tempo incerto.

Se encararmos essa ideia apenas como uma possibilidade, ou uma fantasia, e não como uma alternativa de ação, ela passa a ter o efeito placebo, que de certa forma ajuda a superar e ultrapassar as dificuldades. Tal como a ideia de ganhar o euromilhões nos abre a possibilidade de sonhar com uma outra vida de luxos obscenos, sem arrependimentos.

Percebi o poder que temos dentro de nós. E percebi que os desafios se desfiam quando os encaramos com toda a força e energia que temos escondidas dentro de nós, sem nos darmos conta.

Levantei-me da cama, espreguicei-me languidamente e sorri com gratidão para o dia que surgia, com novas aprendizagens e desafios para desfiar.

 

Tayhta Visinho

 

23
Out15

“Destralhar” o tempo (Tempo – 10)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Woman And Bicycle – George Hodan

 

Durante anos repeti para mim própria que, se tivesse dinheiro, compraria tempo, nas suas mais distintas formas, para poder usufruir da família, dos amigos, para cuidar de mim, compraria tempo só para estar.

Mas a epifania aconteceu, finalmente, e percebi que afinal não depende apenas do dinheiro, já que não precisamos de comprar uma coisa que temos, no preciso momento, só que, de tão denso e ocupado, não nos damos sequer conta disso. O tempo, essa preciosidade que já temos, foge-nos a um ritmo frenético.

 

É preciso “destralhar” o tempo. Sim, exatamente, “destralhar” o tempo. E isto pode ser feito de diversas formas, desde o simples pormenor de trocar o sítio dos pratos para os colocar junto da máquina de lavar loiça, para que arrumar a loiça demore menos tempo, até à organização geral e pormenorizada da casa, para não perder tempo à procura… de uma caneta. Arrumar o exterior para alcançarmos o interior. É necessário fazermos uma apreciação detalhada daquilo que realmente precisamos. Será que precisamos de dois cortadores de pizza, de 6 pares de calças pretas, dos naperons que nem sequer usamos, mas que foi a Avó que deu?

Dito assim, parece confuso. O que tem a ver uma casa organizada com o tempo? Tudo. Aliás, creio que é até uma excelente metáfora para a organização da nossa mente. Recentemente aprendi que “destralhar” uma casa é, sobretudo, um processo emocional. Não é a qualquer altura que simplesmente decidimos desfazer-nos dos “monos”, porque encerram em si memórias e emoções, boas e más. Cada objeto contém uma memória, uma época. Por isso é que organizar uma casa é um processo tão complicado e tão emocional; é necessário avaliar se cada objeto é necessário ou se nos faz feliz. São essas as duas regras básicas para “destralhar” uma casa – e só a partir daí é que se pode decidir se vai para o lixo ou se fica.

 

Paralelamente, não é a qualquer altura que conseguimos aliviar a nossa mente das mágoas do passado, das saudades de momentos e de pessoas, da ansiedade do que ainda não aconteceu, dos medos e dos apegos – os tais apegos que, segundo os budistas, não nos deixam seguir o verdadeiro caminho da felicidade. E todas estas emoções também nos consomem tempo. Tempo que poderíamos capitalizar para nós.

Seria fácil descartarmos as nossas emoções, mágoas e angústias, mas infelizmente não trazemos um interrutor na nuca para o colocarmos em off sempre que a tristeza teima em aparecer e as mágoas teimam em queimar-nos o peito. Mas se conseguirmos chegar àquele ponto em que o nosso exterior e o nosso interior estão com as prateleiras devidamente arrumadas e etiquetadas, com tudo no sítio certo, onde com apenas o olhar encontramos o que procuramos, porque as tralhas foram à vida, perderemos então menos tempo, quer nas tarefas domésticas, quer a dar vida nos monstros azuis que nos povoam o pensamento e nos devoram a alma.

 

“Destralhar” o tempo consiste, sobretudo, num esforço incrível para deixarmos de perder tempo a pensar no tempo perdido e seguir em frente, em não perder tempo a pensar no que poderia ter sido e afinal não foi, consiste em perder o hábito de começarmos os nossos raciocínios ruminantes por “se…”, porque o presente vive-se com vista no futuro.

 

Difícil, muuuuuuito difícil, não? Para chegar a esse ponto – a esse nirvana - só focando nos ganhos: PAZ, mais disponibilidade para nós e para os nossos, mais tempo para estar… só para estar…

Eu acredito nisto, e um dia vou lá chegar. Por enquanto ainda tenho metade da casa por desocupar e não vou parar até fazer plenamente parte desta minha vida que se desenrola à minha frente e até conseguir estar comigo. Só estar…

 

Ana Martins

 

 

21
Out15

O tempo é o agora (Tempo – 9)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Green Alarm Clock – George Hodan

 

Há muito tempo (ou talvez há não tanto tempo assim), pensava que o tempo era insignificante. A idade adulta estava longe e a velhice era uma miragem. Tudo o que me fazia lembrar a existência do tempo era o despertar, pois daria tudo por mais duas horas a dormir e os minutos que faltavam para a campainha tocar no secundário. Mas o tempo ensina que ter tempo é um presente. O mais valioso dos presentes. Não existe bem algum que nos dê mais uma inspiração quando chega a hora de partir.

Hoje já sinto o tempo. E já não acho que seja traiçoeiro. Nem inimigo. Nem rápido. Nem lento… O tempo é o meu companheiro de viagem… Espelha o que sou, lima as arestas, diz-me como caminhar, ora dando passadas rápidas, ora dando passadas vagarosas. Às vezes obriga-me a parar… Também me ajuda a esquecer e a rir-me do passado, ajuda a colocar todos os acontecimentos em perspetiva. Leva-me a aceitar o inaceitável e é um bálsamo para a dor. O tempo é a minha bolha nesta existência. Permitiu-me estar aqui e vai levar-me um dia para um lugar sem tempo… E por ser tão intimo meu, não o posso deter com as mãos. Porque eu sou o tempo! E o tempo de existir é o agora.

 

Sara Almeida

 

19
Out15

Num tempo sem tempo (Tempo – 8)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Curtain - Steve Linster

 

Deste-me a mão, no pequeno-almoço, e falaste-me do amor, da plenitude, do arrependimento e de sonhos. Disseste que o tempo estava do nosso lado e que tudo farias por nós, ainda antes de eu bocejar. Sorriste mas parecias, ao mesmo tempo, inquieto. Não precisas de dizer-me coisas bonitas só porque não estou bem, não tenho expetativas desmedidas nem sonhos hipotecados. Viver, tal como havias sugerido, não é assim tão mau. Tinhas tanto medo desses sonhos, lembras-te? Não os espero e não vou pedir-tos sorrateiramente, portanto, sossega. Foge-te o sorriso, pareces triste. Dizes que agora, afinal, precisas de sonhos. Precisas de saber que isto tudo não é em vão – alguma vez o foi? Fico confusa. Oiço-te sem te escutar, olho-te sem nos sentir. Não te entendo. Vejo medo nos teus gestos. Não consegues ler-me a alma, desde que me perdi em mim própria, mas sentes a minha distância. Tens medo, eu sei, reconheço esse patamar, mas não consigo sacudir-te daí para fora. Não sei onde estou. Não sei quem sou. Não sei o caminho a seguir. Tenho um medo diferente a agoirar-me.

Mas tu, tu precisas de dar um sentido a isto. Queres entender tudo, racionalizar aquilo que nem eu entendo; queres esgravatar o fundo pantanoso da minha alma enquanto seguro o microfone e grito coisas sem sentido. Não quero lembrar-te que me ensinaste a viver sem ti, quando me partiste o coração, numa dança lenta e amarga. Não quero magoar-te ainda que me tenhas desiludido. Não sei como te explicar que me encontro agora numa espécie de limbo intermédio, onde tudo me parece confuso e distante, entre caminhos e decisões de uma vida que não entendo: a minha.

É mais do que nós que equaciono, desde que o meu cérebro e o meu corpo colapsaram. É como se a minha vida não fosse minha e eu fosse uma estranha na minha história. Gostava de te explicar isto de uma forma simples mas ainda não assimilei o que está a passar-se. Tenho mais medo do que nunca. Sinto-me paralisada por esta dor interior que me devora. Não consigo sonhar quando, simplesmente existir, me consome a energia que me resta. Os dias são um desafio permanente e tudo, absolutamente tudo na minha vida, está em hibernação. Nós, também.

Fazes do tempo teu aliado, nesta quimera alada que reiteras a meu lado, mas não vês a ironia disso: lutaste tanto por este dia e agora lutas para fugir dele. Quando me expulsaste da tua alma, tudo mudou em nós. Vivemos um tempo de ausências e dor, perdi a minha fé em ti. Um dia, deixei de saber quem eras, o que querias, o que fazias. E cada dia, depois desse, foi cauterizando o nosso passado e, com ele, todos os sonhos do amanhã. O tempo não é nosso aliado, é nosso carrasco. Não somos nada nas suas mãos mas demos-lhe trunfos preciosos.

Devolvo-te o beijo depois da torrada e da conversa que não tivemos. Olho para ti e vejo-me a mim, num passado não muito longínquo. Abraço-te com genuíno amor, conheço a dor que sentes. Fico triste contigo mas já não fico triste sem ti. Não sei se os meus sentimentos por ti se alteraram ou se a minha exaustão já não me permite ver com os olhos da alma – ou sentir, com o coração. Não sei se temos tempo, como dizes, ou se já o gastamos em viagens indescritíveis à Terra do Nunca. Sei apenas que não tenho forças para lutar, contigo ou qualquer outra força do universo.

Não me peças respostas nem me angusties. Do tempo, nada sei. De nós, ainda menos.

 

Alexandra Vaz

 

18
Out15

Morrer (Suicídio - 7)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: End Of The Day – Vilem Skarolek

 

Há quem morra muito antes de morrer.

A vida, por vezes mata-nos. Os sonhos, os projetos, as ilusões. As pessoas. Os que nos são ou foram queridos, que hoje “se morreram” nas nossas vidas.

Falta. A falta que nos faz uma mãe, um irmão, um amor, um marido que já não é. Que já não são. Que já cá não estão.

Saudade que dói, que dilacera. Saudade que cega, que tira a fome, que tira o ar.

Há pessoas que quando se vão nos levam também. Pedaços de nós, inteiros de nós.

Porque o mundo, como o conhecíamos até então, deixou de o ser. Morreu-se.

E onde há luz só vemos breu, e onde há ar não respiramos, e onde há mar nós não o vemos. Só desejamos que nos engula. Para todo o sempre.

Afogamo-nos na imensa dor que é perder o ser amado. Não queremos vir à tona, não queremos que nos puxem, odiamos que o façam.

Queremos morrer.

Morrer para não ter que ver uma luz que cega. Morrer para nunca mais sentir.

Porque até respirar dói, e não há nada, nem ninguém, que nos tire do chão. O chão que já lá não está.

Mas depois vem o tempo. O bendito tempo, que maldigo o tempo, que diz o tempo, é o melhor amigo do tempo. O tempo de sarar.

Ah, tempo! Que demoras tanto tempo a passar.

Passa-me tempo, passa depressa, mas não leves na pressa o sentimento de amar.

Sê meu amigo.

Porque diz que tu, tempo, e eu sei que sim, tempo, hás de ajudar-me.

 

Joana Pouzada

 

16
Out15

O tempo da nossa vida (Tempo – 7)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Cuplu Tineri In Parc – Catalin Berciu

 

- Quanto tempo tens?

Olhou pela janela e esboçou um sorriso. Não fugia daquela pergunta. Apenas não lhe fazia qualquer sentido.

- Quanto tempo te resta? - insistiu.

- O mesmo que a ti - respondeu, olhando-o profundamente nos olhos.

- Estás a brincar com isto?! Estás maluca? Isto é muito sério!

- Não. Resta-me o mesmo tempo que a ti. Acredita que não brinco.

Sentia-se confuso. Baralhado. Revoltado. Angustiado. Sentia que a perdera, mesmo antes do tempo findo.

- Vou falar com o médico. Não quero saber se me escondes a verdade. Vou descobri-la a todo o custo. Não me podes negar isto. Depois de toda a nossa vida.

- Não te nego nada. Resta-nos o mesmo tempo.

Saiu furioso. Na sua fúria apenas residia o medo da perda. De não poder tê-la para sempre.

Olhou de novo pela janela. Conseguia ver o horizonte dali. Mas nada mais, para além dele. Embora tal não significasse que para além daquele horizonte não houvesse mais céu, mais mar. Há sempre mais para além do que a tua vista alcança. No entanto, aquele horizonte só prometia fim, a partir daquela janela.

Voltou esgotado. Triste. Semblante pesado. Encontrou-a serena. Tal adormecida. Embora apenas descansasse a vista do horizonte. Ao vê-la assim, cândida e serena, sentiu a sua paz e sorriu. Aquela dor que o dominara, estancou por um momento.

Devagar, ela abriu os olhos cerrados e devolveu-lhe um olhar com vida. Voltou a sorrir-lhe. Disse-lhe:

- Resta-nos o mesmo tempo, meu amor. O tempo da nossa vida. Este, só este que temos. O tempo que temos até ao fim. Juntos. É o mesmo tempo. O nosso tempo! Disfrutemos como disfrutamos do pôr-do-sol. Ele põe-se no horizonte. É lindo observá-lo assim. Mas, morre na noite. Pensamos que é morto para sempre. Mas, sempre renasce. Sempre permanece. Assim é o nosso amor. Para sempre. Mesmo que não me vejas, estarei contigo. Em cada novo dia da tua vida. O nosso amor é o nosso tempo, disse, enquanto uma lágrima lhe molhava o sorriso.

 

Cecília Pinto

 

14
Out15

Tempo que já não volta (Tempo – 6)

Publicado por Mil Razões...

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Foto: Grandad And Granddaughter – George Hodan

 

Foste sem avisar, sem dar sinal de partida. Não houve um aviso, sinal ou indício. Nada! Foste assim, de repente. Partiste… sem despedida. Ninguém estava à espera. Eu não estava à espera. Sempre achei que teria tempo para ter tempo para ti. Que teria tempo de recuperar o tempo perdido, aquele tempo (agora que percebo, precioso!) que podia ter aproveitado contigo. E quanto do teu tempo tu quiseste dispensar e aproveitar, com a traquina menina de outrora! Por gosto, por vontade, mas acima de tudo, por amor! Não correspondi… Ou deixei de corresponder a esse tempo e a esse amor… Não aprendi o que deveria ter aprendido contigo. Porque achei que o tempo não te levaria tão depressa, porque talvez não acreditasse na sua efemeridade, ou simplesmente por egoísmo!

Recordo-te muitas vezes. Perco a noção do tempo e da realidade quando penso em ti! São boas as lembranças! E são a única coisa que ficou, só me culpo por não serem mais. Demasiadas vezes penso há quanto já não te tenho. Nunca estou certa da resposta! Parecem muitos mais anos do que aqueles que são na realidade! (Como a noção do tempo sentido e do tempo real são subjetivas…) Este ano, perfaz 8 anos de ausência… da tua ausência. São uma eternidade para mim…

Chorei-te muitos dias e noites, sempre às escondidas. Ainda choro… Tento, frequentemente, lembrar-me da tua voz, agora com mais dificuldade, confesso. A minha memória atraiçoa-me, por vezes, e penso como é possível já não me lembrar nitidamente dela. Choro mais. Falsamente vou buscar consolo à recordação do teu riso. Desse ainda me lembro! Não que fosse uma gargalhada sonora; não a era. Era meia abafada, quase inaudível, com um som muito caraterístico e uma expressão muito própria, que nunca reconheci em mais ninguém.

Talvez seja esse som e a boina, que estava lá sempre, salvo nas refeições, pois que não era ato de respeito, que mais me vêm à memória. O que não deixa de ser curioso porque, agora que penso, eram os olhos azuis, amargurados e tristes que sobressaíam mais no teu rosto. As vicissitudes da vida assim o ditaram. Injustamente… infelizmente! E nem isso me fez ficar mais perto de ti. Porque a menina ingénua, inocente, traquina e feliz, deu lugar à então adolescente senhora do seu nariz, egoísta, resmungona, que achava que não precisava de passar tempo contigo! E não podia estar mais errada… Dói a tua ausência e dói também o egoísmo e a indiferença que tive e sem perceber como aí cheguei.

A infância preencheste-ma com tudo o que poderia ter sido e tido: amor, alegria, brincadeira, traquinice, carinho. Nada me faltou. Se tivesse que escolher um som desse tempo, seria o da tua mota a chegar para ir buscar-me. Não que me recorde bem da minha reação, mas sei que estava sempre pronta para ir contigo. Por isso gosto de imaginar que, mal ouvia o barulho do motor, me ponha pronta à porta de casa. Um cheiro? Talvez o do lume do lar, onde tantas vezes se preparava o almoço de domingo. E a extravagante mistura dos cheiros das flores dos jardins, obviamente! A imagem seria a tua, de pose calma e serena, de boina na cabeça, sempre! A ver-me ir embora, quando numa tarde quis ir à minha vida… Tola!

No início, depois da tua morte, custava-me imenso ir a tua casa. Devia ter ido todos os dias! Naquela altura o lugar ainda se parecia contigo, ainda se sentia a tua presença! Será sempre a tua casa. Não a imagino de outra maneira, apesar de, muitas vezes não a reconhecer como tua. Os jardins perfeitamente cuidados, com a máxima dedicação e bonitos, são hoje folhagem seca e ressequida. Até as flores sentem a tua falta. Não há o cheiro perfumado de outrora. Não passa de uma casa fria e cinzenta, com hortas e jardins murchos e maltratados. De quando em vez, a própria Natureza lá faz jus à tua outrora presença e brinda-nos com os cheiros do passado. E ficas mais perto de nós.

Dizem que o tempo cura tudo. Não podia discordar mais. A ferida da saudade, da perda, da ausência (primeiro, a minha, agora a tua), do meu desprendimento e egoísmo… Esta ferida, o tempo nunca curou, nunca curará, nem tão pouco me ensina a lidar com ela. Amei-te mal e do meu jeito torto. Nunca disse que gostava de ti. Não sei se tu o sabias, tal era a minha indiferença, muitas vezes, e já há muito que deixei de ter tempo e oportunidade para to dizer. Devia ter dito… Devias ter sabido isso…

 

Sandra Sousa

 

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