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Mil Razões...

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

O quotidiano e a nossa saúde emocional e mental.

31
Ago10

As cores da minha vida (Ser – 4)

Publicado por Mil Razões...

 

Cada um de nós é governado pela sua própria vida. E cada um de nós governa a sua própria vida. Se é verdade que há acontecimentos que nos marcam e nos enfraquecem e sobre os quais não temos qualquer controlo, é também verdade que há momentos decisivos nos quais somos confrontados com diferentes opções e fazemos escolhas. Acontece a mim, acontece a ti, acontece a todas as pessoas. Somos todos, simultaneamente, autores, actores e espectadores da nossa história de vida.

 

Usando as cores como analogia, percebo agora que a minha vida começou por ser cor-de-rosa. Durante a minha infância, as paredes do meu viver eram cobertas de diferentes tons de rosa, agradáveis, reconfortantes e enternecedores. Nessa fase, tudo corria bem (pelo menos assim parecia) e havia calma e paz, mas eu era apenas actriz da minha vida, os autores e os espectadores eram outras pessoas.

Doze anos passados o rosa deu lugar ao cinzento que, lentamente, deu lugar ao preto. O mundo transformou-se num lugar confuso, estranho e desconfortável, promotor de solidão, ansiedade, desconfiança, medo e desesperança. Os ventos eram bravos e as tempestades constantes. Cada ano que passava parecia uma década e a turbulência parecia não querer desaparecer. Eu era espectadora da minha vida, os autores e os actores eram outras pessoas.

 

Um dia cheguei à conclusão que não queria continuar a viver no meio de tanta escuridão. Tinha de mudar, fazer alguma coisa. Foi então que reparei que a paleta de cores e o pincel estavam na minha mão, assim como o guião em branco do meu futuro. Não sei há quanto tempo tinha estas ferramentas comigo, mas tinha, e como não queria perder mais tempo comecei a experimentá-las. Colori tudo ao meu redor com um pouco de todas as cores e comecei a escrever o meu futuro. Mandei o meu passado para o passado e trouxe o meu futuro para o presente.

Sou condicionada pelas circunstâncias, como qualquer um de nós, mas não me deixo derrotar. Sou autora, actriz e espectadora da minha história. Dedico-me a ela a cem por cento. Faço-o por mim, mas principalmente, faço-o pelo meu EU futuro. Não quero arrepender-me, quero conquistar. Um dia, quero olhar para trás com satisfação e orgulho, e observar o arco-íris que foi a minha vida.

 

Ana Gomes

 

27
Ago10

Ali, tudo mudou (Ser – 3)

Publicado por Mil Razões...

 

Ao entrar no avião não havia nenhum aperto ou saudade no coração. Ia, simplesmente. Tudo me parecia alheio. Não estava ausente, estava presente comigo, apenas comigo. Um novo mundo esperava por mim, de certeza iria viver uma experiência completamente diferente. Depois de fecharem as portas do avião, tudo o que eu conhecera até então ficava para trás. Parti, sozinha, mas levava tudo comigo.

Quando aterrei tive a sorte do meu lado. Falava mal a nova língua do dia-a-dia, mas por coincidência ou não, ia conseguindo avançar sem problemas de maior. Desde a saga pela busca de uma casa para morar, até às peripécias de coabitar com pessoas de diferentes culturas, religião, e até espécies diferentes, aquele novo mundo foi bastante desafiante. Estava em Itália, país que para mim sempre despertara fascínio e tinha então oportunidade não só para conhecer, mas também para ver mais de perto do que uma simples viagem turística permitiria. Nem acreditava que estava ali. Afinal não era um sonho, era uma realidade. Afinal os sonhos também podem culminar em realidades.

 

Houve tempos em que me senti sozinha. Mas, ao contrário do que acontecera antes, isso não me incomodava. Aprendi que tinha muita mais capacidade de adaptação do que pensava. Antes, descobrira que, apesar da distância física, era capaz de me manter ligada aos demais que eram importantes para mim e, por isso, sempre me senti apoiada. Aquela solidão era diferente. Uma solidão que apelava à minha independência e capacidades. Cresci como nunca. Não em altura, porque nessa nada mais havia a fazer. Foi um ponto de viragem. Aconteceram inúmeras coisas. Ali conheci inúmeras pessoas que me ensinaram diferenças. Conheci cidades que me mostravam História. Aprendi que Portugal não é só coisas más (como eu já sabia de antemão) e que os outros países não são só coisas maravilhosas. Ali aprendi o que é ser estrangeiro e o que é não sermos sempre bem-vindos. Ali aprendi o que custa estar longe de quem sempre esteve ao nosso lado. Aprendi que, por vezes, não tomamos as melhores opções. Ali aprendi também que essas opções têm sempre consequências. Aprendi que afinal somos cidadãos do mundo. Aprendi que fora do contexto não é tão fácil perceber certos pormenores. Aprendi a respeitar as dificuldades de cada um, porque fácil é falar daquilo que nunca se viveu, nem de perto. Aprendi que estamos todos ligados. Aprendi que por vezes o tempo nos afasta, mas para nós fica sempre o que já foi. Aprendi que cada um tem o seu rumo e que seguir em frente é sempre o melhor caminho. Ali confrontei muitos fantasmas do passado e não os trouxe mais na bagagem.

 

Percebi que a menina que eu era, tão receosa, sempre agarrada às pernas do pai, mudara. A adolescente que fora, sempre em conflito com o passado, tinha amadurecido. Tinha-me transformado, sem deixar de ser eu.

Voltei com peso no coração, com saudades de casa, com lágrimas de quem volta para o que sempre fora antes. Aqui, o que mais ouvi, foi o quão estava diferente. Se tanta gente nos diz o mesmo, acreditamos. Mas nós sabemos quando mudamos.

 

Durou apenas 10 meses esta minha experiência de Erasmus, mas foi uma das mais marcantes da minha vida. Claro que no meu mundo durou muito mais do que 10 meses porque, inevitavelmente, é uma daquelas experiências em que o tempo, simplesmente, é intensificado. Hoje, guardo todas as memórias. Tenho ao meu lado, o homem que conheci como amigo por essas paragens e que, por reviravoltas da vida, com ou sem destino, se tornou meu companheiro. Hoje, continuo a mudar. Sinto-me constantemente a evoluir, graças aos inúmeros desafios que a vida me coloca. Pretendo continuar a crescer e a aprender, sem esquecer quem sou.

Sim, depois de entrar no avião, tudo mudou.

 

Cecília Pinto

 

24
Ago10

O avô Domingos (Ser - 2)

Publicado por Mil Razões...

 

A atenção de José permanecia fixa naquela fotografia dos anos cinquenta. O olhar percorria rápido as cinco pessoas que bordejavam a foto e fixava-se no centro do grupo. Ali estavam os avós maternos rodeados pelos netos mais velhos e, ao colo do avô Domingos, a figura pequenina de José, ocupando a posição que lhe competia já que ele era o centro do mundo e o mundo era todo seu. Assim o indicavam os olhares dos que o rodeavam e o seu próprio olhar.

 

A foto de família provocava-lhe sensações fortes e intrigantes. A idade de José correspondia à idade que tinha o seu avô à data da fotografia. O pátio rodeado de plantas e recordações de infância, já não existia. Já não existia a casa e as pessoas mais velhas que a habitaram. Muito do que para si significava inocência e felicidade tinha acontecido ali onde já não moravam pessoas e já não se ouviam vozes.

 

De súbito, o pequeno pátio ganhou vida. Todos se levantaram das cadeiras de jardim à excepção do avô Domingos, que permaneceu imóvel com José ao colo. E todos se movimentaram. A avó subiu lentamente as escadas, apoiada no corrimão e passou a porta que dava acesso à cozinha. Os primos dispuseram-se em círculo, combinaram regras e fugiram quintal abaixo.

As mãos trémulas de José seguravam a fotografia com dificuldade. Fixou o olhar no avô receando que, à semelhança de todos os outros, ele fugisse também. Lentamente, o avô Domingos levantou os olhos do menino que tinha ao colo e olhou para José. Olharam-se por longos momentos de ternura. E o olhar doce e meigo foi o que ficou daquela fotografia dos anos cinquenta.

 

José Quelhas Lima

 

20
Ago10

Quatro estações (Ser – 1)

Publicado por Mil Razões...

 

A vida desenrola-se em espiral, figura significativa de que os assuntos são sempre semelhantes e passamos pelos mesmos estados, mas a consciência deles vai-se alargando e evoluindo, dando, a cada ciclo, uma nova perspectiva dos mesmos.

Existem na natureza vários ciclos biológicos, mas os mais conhecidos são os de 7 anos, findos os quais se renovam todas as células do organismo. Claro que isto é o mais nítido e constatável, precisamente quando se fazem 7 anos, depois 14, depois 21, 28, e por aí fora. A partir dos 35 o ritmo abranda e as mudanças são mais subtis, mas evidentes para quem estiver verdadeiramente atento.

Passo então a descrever, duma forma sintética, as 4 fases da vida:

 

Infância

A potência do sol de Verão.

A descoberta das coisas vitais e a inocência com que são encaradas.

Os primeiros desgostos e contrariedades, que conduzem às primeiras considerações.

A identificação com os pais e a tentativa de imitar comportamentos.

 

Adolescência

A promessa florida da Primavera.

A ilusão de tudo poder fazer.

As dores e alegrias do crescimento e a confrontação com os progenitores.

As primeiras dúvidas existenciais.

O esforço de tentar definir um estilo.

 

Idade Adulta

A beleza tranquila do Outono.

O confronto com a realidade e a concretização de alguns sonhos, assim como o desfazer de outros.

O apuro da personalidade e as suas consequências.

A afirmação do estilo na comunidade.

As preocupações de vida e sobrevivência.

 

Velhice

O sossego aconchegado do Inverno.

O desatar de algumas grilhetas e uma nova liberdade entreaberta.

O legado para os vindouros e a preparação para as novas limitações.

O balanço que define a alma e a mentalização para a partida.

 

Cristina Canavarro

 

17
Ago10

A espera (Expectativas – 9)

Publicado por Mil Razões...

 

- Este exame já está. A doutora virá já ter consigo.

Mais um exame para a já longa colecção. E depois mais outro e outro e outro… Quantos mais quererão eles? E para quê tudo isto? Perceberão o quanto cada exame me faz sofrer?

Levou a mão à cabeça, passou os dedos pelos cabelos, lentamente. Sempre gostou do seu cabelo e de o ter um tanto comprido – liso, ondulava ao crescer. Fez a mão deslizar lentamente, para melhor fixar a sensação na memória. Desde que aceitara que o fim estava a aproximar-se, procurava fixar todas as boas sensações, as que estavam ignoradas, as suas conhecidas, as que experimentava pela primeira vez, tentando guardá-las bem vivas para as levar consigo.

Ai estas esperas, estas esperas e desesperas… Os médicos evitam falar comigo – demoram, depois chegam e despacham, com o carinho e o embaraço de quem sabe que nada resulta, de quem não tem respostas, nem soluções. Não sabendo lidar com estas situações, refugiam-se nas tentativas sem fim. Tentar o quê? Falta-lhes coragem, acho eu. Um destes dias vou ter de assumir por eles, colocar fim a estas tentativas e exames, deixar a natureza funcionar, sem ser contrariada, sem ser retardada.

Olhou as suas mãos – estavam magras, secas e picadas.

Para quê continuar a estragar estas mãos?

 

Esticou-se na cadeira, deixou a cabeça cair um pouco para trás. O seu pensamento foi para longe.

Todos fogem da morte, seja ela dos que lhes são indiferentes, seja dos que lhes são queridos, seja da sua própria morte.

E logo o pensamento veio para mais perto. Recordou o rosto da sua mulher e desejou estar junto dela, tocar-lhe, senti-la. Sabia o quanto ela iria sofrer com a sua ausência e essa era já a única coisa que o incomodava emocionalmente. Queria morrer junto dela.

Como vais sofrer minha querida -  e eu nada posso fazer para o evitar. Sei que te reencontrarei e isso tranquiliza-me, mas irás ficar aqui, sozinha, por algum tempo. Sei que irás sofrer em silêncio. Espero que os nossos filhos consigam ser para ti alguma compensação.

Tentou parar o pensamento, colocá-lo no vazio, descansar. Ficou assim durante uns minutos.

Depois, recomeçou a construir pensamentos, lentamente. Sentia-se cansado e, tanto quanto conseguia avaliar-se a si mesmo, preparado. Ou quase preparado. Queria ver algumas pessoas, uma meia dúzia de pessoas, pela última vez, mas sem o revelar para não as assustar, e depois sim, estaria preparado.

 

Queria ficar tranquilo, senhor da sua sorte, com a família, em particular com a mulher que amava. Já não aguentava o inútil esforço de mais exames e testes.

Está decidido: quero seguir o meu caminho sem mais atrasos. Quero ir para casa!

 

Fernando Couto

 

13
Ago10

No amor e na paixão (Expectativas – 8)

Publicado por Mil Razões...

 

Um grande amigo enviou para mim, recentemente, um texto de sua autoria em que explorava o facto de ele ser (nas suas próprias palavras), um idiota. Discorrendo nesse texto sobre a sua idiotia em diferentes contextos e fases da sua vida, curiosamente o autor não fez uma única referência ao amor, para não referir a paixão, pois esta é muito mais volátil. Grande falha esta, a do meu amigo que, curiosamente, é pai de vários infantes de relações diferentes. Não acho contudo que ele tenha sido um idiota, quer por ter tido expectativas de futuro em qualquer uma dessas relações, quer por ter esquecido de ligar a idiotia ao amor.

 

O facto é que a idiotia é uma filha natural do amor e da paixão como provam os inúmeros textos, músicas e filmes. É natural que assim seja. O amor (e então a paixão!) tolda o pensamento ao mais clarividente, transformando o racional em emocional, libertando-nos da realidade e prendendo-nos à realidade. Uma realidade que é real e não é. Não era realidade antes de haver amor e paixão e muito depressa se transforma na realidade que desejamos e queremos, quantas vezes fazendo ouvidos moucos a palavras sábias de quem nos quer o bem e consegue ver a idiotia da mesma.

 

Todos nós criamos expectativas das nossas relações amorosas. Uso o termo criar porque advém do nascimento e alimentação de uma ideia, um ideal. Esse ideal é o factor que vai regular a expectativa criada da relação e condicionar o seu desenvolvimento futuro. Claro que no início as expectativas são sempre as melhores, mas infelizmente também são sempre dinâmicas e o conhecimento desse facto amedronta. Ninguém ama para sofrer, mas sofre-se com o amor. Tendo todos nós consciência desse facto, vamos regulando as nossas expectativas em função do desenvolvimento da relação. Mas será que temos sempre presente uma expectativa? Será que quem tem 20, 25, 30 anos de relação ainda tem expectativas? Claro que sim. Da inicial "espero que isto funcione" até ao "espero morrer antes de ti para não sofrer com a tua falta", existe um leque incomensurável de expectativas.

 

Temos é de compreender que essas expectativas mutáveis respondem a uma realidade / realidade temporal. Têm um prazo de validade implícito que até as poderá tornar, mais cedo ou mais tarde, em idiotas e, consequentemente, transformar-nos em idiotas.

 

Rui Duarte

 

10
Ago10

O dia N (Expectativas – 7)

Publicado por Mil Razões...

 

Desde que se confirma a existência de uma nova vida em desenvolvimento, é inevitável sermos invadidos por um crescente de pensamentos, sentimentos e expectativas.

 

Estar sempre a pensar se estará tudo bem, se correrá tudo normal, fazer o possível e o impossível para tranquilizar a mente e os pensamentos e, simplesmente, aprender a confiar na vida e naquilo que não podemos controlar, transforma-se em parte da vida diária de uma gestante.

Mesmo sem querer, os sonhos da vida partilhada com este novo ser humano afloram num desenrolar de expectativas, de realizações e caminhos que são nossos e que, inocentemente por vezes, gostaríamos de ver realizados no bebé, projectando nele uma nova oportunidade de fazer tudo certo, tudo o que gostaríamos de ter feito, tudo aquilo que gostaríamos de ter sido e não fomos. Mas a realidade é só uma: o bebé que abraçamos irá ser um ser humano único, com os seus sonhos e os seus objectivos de vida, as suas determinações e erros que se transformarão em aprendizagens. E não é por isso mesmo que todos nós vimos a este mundo-escola?

Também os medos aparecem e, com toda a força possível, arrumamo-los longe… longe de nós e do novo ser para o qual começamos a viver e a respirar. “Há que confiar!” – é a frase mais repetida para que a nuvem negra se afaste.

 

Por vezes é melhor não criar qualquer tipo de expectativas… nem boas nem más… Podemos sempre imaginar como gostaríamos que fosse, escolher um caminho de entre todas as alternativas que se nos oferecem, mas não podemos ter 100% certeza de que tudo irá ser como queremos.

O que podemos garantir é que o sentimento que possuímos dentro de nós, seja ele bom ou mau, irá ser transmitido e acolhido pelo novo ser humano quando este chegar a este mundo.

Se ele é esperado com amor, carinho, coragem e alegria, a sua recepção será plena de felicidade, de sentimentos nobres, de paz e realização máxima. Quando assim não é, torna-se difícil imaginar… mas podemos tentar antever um cenário onde, muitas vezes, o coração endurecido rapidamente se rende à necessidade e fragilidade demonstradas pelo bebé, tão indefeso e vulnerável. Histórias de violência parental não são aqui exploradas, uma vez que, felizmente, são excepções e não regras.

 

Ana Lua

 

06
Ago10

Brincar a dois (Expectativas – 6)

Publicado por Mil Razões...

 

O ambiente estava agitado naquela manhã. Durante a noite pareceu-lhe ouvir gente pela casa. A tia, apoiada no tio, saiu cedo. Parecia doente. Ouviu a mãe despedir-se:

- Vai correr bem! Quando nascer vamos ver-vos à maternidade.

- Mã, o que é a maternidade?

Tiago começava a aventurar-se na comunicação oral, um pouco tarde segundo diziam aqueles que pensam tudo saber e tudo resolver. Não faltaram os conselhos para levar o menino à Santa Clara, para que ela lhe desse fala. Mesmo sem a bendita visita, preguiçosamente e com cortes nas sílabas, lá começou a pronunciar as primeiras palavras. Mã, foi a primeira que disse, sendo a versão preguiçosa de Mamã. A mãe corrigia-o mas aos poucos foi-se rendendo à solitária, mas não menos poderosa, sílaba.

Não era palrador. Ou porque não sentisse necessidade, ou porque não visse interesse em falar com os adultos sempre tão ocupados e preocupados. Mas gostava de brincar e queria muito ter com quem brincar, já que em casa era único e gostaria de não o ser.

 

Se é na maternidade que nascem os bebés, se nós iremos lá, então iremos ver um bebé. Mas quem será esse bebé? Interrogou-se e, sem que tivesse tempo para perguntar, já a Mã revelava, com entusiasmo, que iria finalmente conhecer o priminho e que a partir de agora já teria com quem brincar.

A palavra brincar era mágica e logo ali tratou de criar condições para tão agradável tarefa. Silenciosamente começou a seleccionar e a meter no bolso os carrinhos de que mais gostava e que, de certeza, iriam agradar ao priminho. Ainda arranjou espaço para uma mota e um aviãozinho, não fosse o caso de o priminho não gostar de carrinhos. 

A notícia do nascimento tardava. Sentado junto ao telefone aguardava. A impaciência ditava-lhe a pergunta: “Será que já nasceu?” Esperava que a Mã tivesse a resposta que o telefone teimava em não dar.

Quando por fim na maternidade, colocou discretamente os brinquedos perto do priminho e a jeito de este lhes pegar. Intrigou-se com a falta de reacção. Aproximou ainda mais os brinquedos, mas a minúscula criatura nem abriu os olhos para os ver. Será que ele não gosta de brincar? Pegou-lhe na mãozinha e levou-a a tocar nos brinquedos. O gemido quase inaudível fê-lo recuar.

Olhou a Mã, pedindo-lhe explicações. Recebeu dela a promessa de que o priminho iria crescer depressa e que rapidamente poderia brincar com ele.

Sonhara ter alguém com quem brincar. Ficou a sonhar com o cumprimento da promessa da Mã...

 

Cidália Carvalho

 

03
Ago10

Dores e vitórias (Expectativas – 5)

Publicado por Mil Razões...

Como um minúsculo embrião, um sonho vai crescendo, adquirindo contornos mais precisos, mais concretos, até alcançar configurações de algo que reconhecemos como nosso. Começa como um pequeno desejo, uma ilusão ou uma fantasia, um querer que vem lá do fundo, da alma, do coração, da terra dos sonhos. Querer ser mais, ter mais, poder ser o que não se é, por isso nos deixamos levar, pela brisa suave do sonho. Vivemos o impossível que pode tornar-se o possível, o futuro que pode tornar-se no presente. E assim sonhamos…

 

Cedo, a mente enche-se de pequenos grandes sonhos e a frase começa sempre com: “Quando for…. vou ser…”. E assim o futuro é uma enorme expectativa que tem como suporte apenas o sonho, da ingenuidade infantil, da revoltada adolescência, da conformidade de adulto. O sonho acompanha-nos, anda de mão dada com as expectativas, com o que esperamos, desejamos e ansiamos ter, ser, dar e conseguir. A viabilidade de alcançar um futuro, concretizar um desejo ou de realizar uma fantasia, mede-se numa balança de dois pratos. Num deles os sonhos; no outro as reais possibilidades de o alcançar. A hipótese do futuro se tornar no presente, e numa recordação do passado, depende dos pesos nessa balança. Quanto maior for o sonho, maior é a probabilidade de se sentir a desilusão a correr nas veias. Quanto maiores forem as reais possibilidades de concretização, maior a probabilidade do sucesso circular pelas nossas artérias.

Constatamos, com tristeza, que o futuro nem sempre, ou quase nunca, se encaixa nos sonhos que tivemos, e de repente as recordações enchem-se de sonhos desfeitos e de vontades e desejos não vividos. Mas quando um sonho se torna numa recordação vivida a vida passa a ter outra valia, surge um novo alento. 

 

Um sonho perdido é uma dor ganha. Um sonho realizado é uma vitória conseguida. Deixar de sonhar é atrofiar as esperanças e as expectativas de ter, de ser, de dar ou de conseguir. Mas se sou capaz de sonhar poderei ser capaz de conseguir, por isso vivo na expectativa de um destes dias conseguir realizar todos os meus sonhos.

 

Susana Cabral

 

Porto | Portugal

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